sexta-feira, 23 de novembro de 2007

sede nos olhos de quem bebe


“Eu nem sei mais quem sou; de uns tempos para cá eu sinto o peito agitado; meu coração palpita à vista de uma mulher; as palavras de amor e volúpia fazem-no fremir e o perturbam. Enfim, a necessidade de dizer “Eu te amo” a alguém tornou-se tão desesperada que o digo sozinho – enquanto corro no parque – à sua patroa, a você, às árvores, às nuvens, ao vento que as leva junto com as minhas palavras perdidas.”
As bodas de Fígaro, Beaumarchais

Screaming Jay Hawkins cantando I put a spell on you. Eu visto chuva. Eu canto febre e fome. Febre dos sentidos turvos e fome das bocas desiludidas. Tudo que se destila é desilusão e sede de prazeres individualistas. 'T ain't nobody's bizness if I do. É tudo problema meu, não se meta. Mas como se deseja agradar… como se deseja uma palavra de admiração… e um pouco de afeto, amor, amor idealizado, amor cheio de altos e baixos, amores destruídos pela febre ou pelo frio. Satisfações imediatas, alívio por uma noite, esquecer-se de si mesmo por algumas horas – para mim tudo dura para sempre. Cada instante de prazer é único e eterno. Passa mas fica para sempre, fica gravado em mim, e é por isso que eu… Eu visto a chuva e mastigo minha febre, bebo todas as desilusões e canto a eternidade das satisfações momentâneas. Sinto fome, fome de intensidade, e sou egoísta, egoísta como bichinhos de estimação. Quando quero me isolar, eu me escondo nos meus afazeres diários. Quando quero a companhia da dona eu corro de encontro aos meus desesperados sonhos. Eu me alimento de palavras e sons, eu me alimento de vento gelado e capuccino, muitas xícaras de capuccino, e um pouco de conhaque. Eu preciso, eu preciso, eu preciso dizer mais uma vez que desejo tudo que já foi sonhado antes por todos aqueles que sonham com aquilo em que é impossível colar uma etiqueta e definir em poucas linhas. É, eu visto a voz do Screaming Jay Hawkins e quando eu tiro a roupa eu me liberto de fantasmas. Eu adoro a minha nudez quando ela se mistura à sede – sede nos olhos de quem bebe.

“Se eu não soubesse que apaixonado, poeta, e músico são três títulos indulgentes que se dá a todas as loucuras…”
As bodas de Fígaro, Beaumarchais

Liz Christine

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