terça-feira, 17 de agosto de 2010

O polvo e a coelhinha


O polvo disse que não. Então a coelhinha sorriu desconcertada, porém indiferente ao todo que a perfumava inocentemente. As estrelas cantavam juntas um blues chamado Sweet little angel enquanto a lua passeava lá no céu junto às ovelhas. O blues envolvia a madrugada descansando sobre a lareira durante o inverno mais doce do mundo. Livros sobre o chão feito de suspiros e uma gata branca sobre uma pilha de livros enquanto o gato laranja brincava com a gata azul que provocava o gato preto que recebia carinhos de sua dona. E o mundo continuava girando enquanto a dona do gato resolveu dar uma pausa em suas tristezas para brincar com uma xícara de chá de erva felina. Todas as lágrimas do universo pingavam do teto enquanto o barquinho flutuava dentro dos sons que circulavam na banheira. Ela fumava a grama quando a campainha de seu apartamento tocou duas vezes seguidas – então se enroscou em uma toalha felpuda e foi fumando sua graminha pelo longo corredor ao sair da banheira com um cálice de vinho do Porto. “Quem é?, ela perguntou sem abrir a porta, e escutou de volta um “sou eu, a menina do chocolatinho surpresa”. Ela não reconheceu a voz e não abriu a porta e resolveu escrever um email. O email começava com a seguinte frase: “preciso de uma amante...” – mas ela não enviou o email e foi procurar o polvo que havia dito não à coelhinha. Encontrou a Dama Lilás no meio do caminho e esqueceu rapidamente o polvo.

Liz Christine

sábado, 14 de agosto de 2010

Inércia


A inércia descansa suavemente seus braços cansados de abraçar o mundo estirado sobre o tapete do banheiro invadido pela música que vem lá de fora. Lá fora passeia o meu coração perdido dentre tantas dúvidas – apenas uma borboleta habita esta casa fincada sobre cores flutuantes. Tudo flutua dentre tantas rosas plantadas à esquerda do casulo – à esquerda, sempre à esquerda. Quando é que minhas idéias vão se endireitar? Quando lá fora for tão suave e aconchegante quanto é o suave borbulhar de gotas perfumadas dentre uma dócil indiferença. Não, a indiferença passeia no jardim da casa – dentro do banheiro não há mais indiferença. Nem dócil nem revoltosa, apenas um sublime desabrochar de gotas perfumadas dentre uma suave perplexidade. Nada compreendo, apenas flutuo. A inércia descansa suavemente seus braços cansados de abraçar o mundo estirado dentro da banheira cor-de-rosa fincada ao lado da cama flutuante. Quero deslizar movimentos em espiral sobre o chão do quarto desenhando um mar sutil e agitado em suas andanças. Lá fora passeia toda a sorte de implicâncias mútuas ou generalizadas – e aqui descanso minhas asas cansadas de sobrevoar a inércia de um coração desengonçado. Apenas movimentos doces, suaves, graciosos e harmoniosos flutuam dentro do mar agitado (...).

A gata branca olha para fora através de janela telada adivinhando passos incertos em direção à inércia (...).

Liz Christine

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Suaves transparências (ou Quartos)


O quarto transborda em dúvidas de fumaças espiraladas e estonteantes. Em torno de uma das dúvidas sobrevoam borboletas de açúcar cristal e favos de mel. Eu não me permito ou eu me deixo. Não quero mas te espero. Ah saudades tolas de ovelhas perfumadas envoltas em nuvens de incompreensão estonteada e sutilezas permanentes. Desembaraçar as saudades tolas que se enroscam em cachos úmidos depois de lavar meu cabelo envolto em perguntas de tons suaves. Quer me dizer em que instante puro as nuvens se desfazem em gotinhas de mel sobre o chão? As nuvens que moravam no teto do meu quartinho foram passear de mãos dadas com a inocência do desabrochar de um querer. Te quiero muito e sempre mas agora vou passear de mãos dadas com o silêncio que mora lá no céu. No céu servem xícaras de capuccino e tortas trufadas ou de três chocolates com brownies e chantilly, e as nuvens se comunicam com olhares atenciosos. Um canto isolado no universo onde tudo é sempre possível e os amores só existem realmente quando correspondidos. Onde me escondo quando a comunicação não é possível e preciso ficar só com as fadas que moram em gavetas e prateleiras mirando o final do arco-íris. Há quartos, e mais quartos. Todos envoltos em suaves transparências (...).

Liz Christine

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Sentidos puros


Lentamente, o vento gelado se enrosca em uma xícara vazia. Cada vez mais lentamente, palavras sem nexo se desfazem de encontro às ondas perfumadas. Uma breve pausa no desenrolar de um movimento. As palavras fogem quando me vejo deslizando sobre o chão gelado – nada a dizer realmente que não seja perfeitamente esfumaçado. Olhos fechados sobre a neve, brincando de esconder sentidos atrás de árvores. Sentidos puros e aguçados enquanto ao meu redor tudo soa gelado – mas não eu. Eu não, pelo menos dessa vez (...). Dessa vez são sombras feitas de gelo. (Sombras de corações vazios)

Dentro da minha concha há música mas não existem companhias. Exceto pelas fadas, gatas brancas ou de cores diversas, sereias e um anjo que jamais me convidaria para uma xícara de chá. Não existem companhias humanas, foi o que quis dizer. Lentamente, cada vez mais lentamente, movimentos fluem de encontro ao silêncio constante de um coração que transborda mas não encontra um ombro (...).

Liz Christine

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Através de ondas adocicadas


Uma borboleta solitária rodopiando em torno de um abajur apagado. A luz que vem lá de fora ilumina apenas traços de uma crescente indiferença em relação ao todo que me envolve em abraços parcialmente adocicados. (Que chatice a chuva raivosa e triste.) Um cenário feito de sombras onde o presente nunca abastece o suficiente essa crescente indiferença chateada. Onde a doçura das tuas asas abastece minha sede insaciável? Quero toda a doçura das tuas asas em um único abraço consistente. E sinto toda a inconsistência das palavras trocadas no cotidiano febril de carências tortas. Fumando todo o tédio de uma noite solitária (...). Prazeres inconsistentes amortecendo a indiferença parcial fazem com que me esqueça do essencial:

(O essencial chega através de ondas adocicadas.)

Liz Christine

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Horas turvas


Mas não, nem sempre é possível. Nem sempre é possível dizer às horas turvas que a janela está trancada. Seios nus em meio à distância de uma realidade incansável. A lua que se aproxima ditando sons incoerentes e sabores um tanto quanto inconsistentes. E a volubilidade da insônia em meio aos degraus de uma escada tropeçando no escuro. Meus pés mergulhados no mar procurando algo sobreposto ou submerso em teu olhar. Chega de olhares e palavras em vão. A gata branca que mora em mim buscando a verdadeira e precisa direção de um sentindo – sentindo quê além da proximidade simples e preciosa? Chega ainda mais perto então. Chega ainda mais perto e me dá a lua guardada dentro da tua solidão. Ainda que eu esteja bem acomodada em teu colo, a solidão rodeia cada instante em ti. Não sei bem quais motivos. Mas teus dedos deslizando em meus seios nus acordam toda a certeza que normalmente dorme em mim descansando minha improbabilidade de decidir. E assim sentindo acorda minha certeza de que sim, às vezes é possível. A gata branca sobe na janela telada agora aberta e boceja depois de um miado rouco. Sou eu erguendo distâncias que esbarram em minhas improbabilidades tão suavemente que um sorriso leve vem à tona então. Mas também me deixo ser (tua).

Liz Christine