terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Saudade de ti


A realidade torna-se nublada e opaca quando eu toda vez que às vezes de repente se confundem as visões alheias e perguntas sem sentido e sem e sem e sem e sem nunca nunca nunca – porque não há na verdade. Na verdade das realidades opacas e nubladas não há confiabilidade nem transparência e desaparecem o afeto e a vontade de continuar. É tudo muito muito por demais esfumaçado – e a fumaça torna as visões muito e por demais difíceis de se ter equilíbrio e a sensação de se estar caminhando num chão que. Tudo desaba em meus ombros – a incerteza, a insegurança, a angústia, o receio que não é meu, o receio de me dizer a verdadeira natureza das realidades que. Tudo passa. E algumas coisas podem voltar, outras não, outras nunca, e há esquecimentos necessários à minha respiração e necessidades desnecessárias e o amor me é tão tão tão – é tudo tão caro. Não posso pagar pelos meus erros. É triste mas não peço desculpas, é embaraçoso mas não chego a me recriminar nunca, pode soar constrangedor mas não para mim – para mim é assim: nada soa impossível. As letras das músicas mais antigas do Portishead são inesquecíveis e jazz de 1920 à 1950 é impossível eu não amar. Há livros e filmes que mudam uma vida ou uma maneira de ser ou simplesmente ampliam e multiplicam e reforçam certa forma de pensar ou viver ou sentir ou tentar se tornar ou quem sabe se sempre se foi assim e – eu posso me sentir tão bem e tão completa ao teu lado e posso também na tua companhia, nos teus braços, eu posso também do teu lado ou no teu colo me esquecer de tudo o que me faz confusa e reticente. Eu posso ser sincera e me sentir livre e sentir que pelo menos – sabe?, pelo menos, apesar de toda a minha metade sombria e/ou hedonista (prisioneira de mim mesma e quem sabe de regras que não criei e quero subverter sempre, hoje e sempre, subverter as normas – sabe?)... apesar de detalhes assim de mim e do mundo, eu ainda posso me entregar ao que realmente quero e tentar fazer algo que muitos sonham enquanto outros ignoram e têm outras prioridades – sabe o amor pleno? Mas não me venha com as idéias que ensinam e repassam há tanto tempo, esqueça-as. Eu fico entre uma mistura que não se mistura nunca totalmente e não se torna homogênea quando jogada no mesmo copo ou batida no liquidificador – eu, sabe? Enlouquecer ou tentar suicídio por um amor mal curado que fracassou e não se pode superar até o fim dos tempos, para sempre, para sempre até que o amor perdido retorne, para sempre a dor até que se consiga reacender o amor romântico, e para sempre fugir da dor em meio a prazeres realmente prazerosos mas vazios – os prazeres mais extremos e variados que se puder encontrar – as substâncias e corpos e beijos de muitas muitas muitas quantas eu achar e me quiserem, e simultâneamente quando possível, quanto mais melhor – e a arrogância fria de renegar as próprias idéias e ideais a qualquer momento, e dizer eu te amo para sempre e te quero mais que todas as outras e tu é única enquanto procuro uma forma de te esquecer por aí e uma maneira de fugir de ti... e na realidade nunca dizer nada daquele tipo, nunca declarar nada, apenas sonhar e pensar e ser e falar apenas através de silêncios ou livros e... movimentos corporais... todo o meu corpo te deseja mas... (Hoje estou nublada porque não te vi e outras companhias me deixam meio assim assim – mas, claro, há momentos de.) Esquecimento e. E eu me revolto contra mim mesma por te querer daquele jeito insano todos os dias e horas – apenas não me procure se eu estiver meio assim, sabe? Me evita quando eu estiver confusa e nublada ou cura de vez minha insanidade e minha. Saudade de ti.

Liz Christine

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Memórias


“This ocean will not be grasped.”
Mysterons, Portishead


Uma tristeza fria e sem lágrimas – porque ontem já me nublei tanto. Minhas pálpebras pesavam muito e desabava uma tempestade de imagens que escorriam pelo meu rosto fechado – a cada lágrima, ontem, eu assistia. Cenas. Eu me cobri e me escondi e me fechei em mim mesma, mastiguei lágrimas e esqueci. Esqueci de chorar hoje.

“Dreams and belief have gone,
Time, life itself goes on.”
Half day closing, Portishead

Esqueci também teu rosto que apareceu tão diferente – haviam duas melodias, uma nítida, outra transformada. Era o teu rosto a melodia que se tornava uma visível diferença. Tua boca não sorria nem me esperava. Teus olhos não brilhavam nem me comunicavam nada sólido. Tudo naquela melodia eram dúvidas e sombras – a melodia que antes e sempre, eu sempre vi teu rosto tão claro e límpido quanto minhas próprias respostas. Eu te amo? Sim. Eu pretendo seguir a tua maneira de pensar? Não. Eu gosto de mudar? Sim. Eu gosto de mudar seguindo a opinião e conselhos alheios? Não. Eu mudo por mim mesma e ao sabor de mim mesma. Ao sabor da minha própria liberdade de ser eu – um eu que se torna e passa a ser ou sempre foi e continua sendo ou se questiona se deveria ser e não encontra uma direção e então se é ao sabor de si mesmo mas vulnerável às influências de tudo e qualquer coisa que me faça sentir. Acontece que não sinto atração pelas regras da grande maioria e me espanta muito que tu as queira seguir.

“Through the times of lasting love,
When parents talked of things tried and tested,
They don’t feel the same.”
Half day closing, Portishead

Mas a outra melodia, a outra que nunca foi nada nítida antes, se mostrou detalhadamente dentro dos limites da minha fantasia. Claro que na realidade pode-se a qualquer momento ultrapassar limites e quebrar convenções. Mas talvez em nossas fantasias, eu não sei, o que se pode e o que não se pode dentro de nós mesmos? Dizem que em nossas fantasias tudo é possível e na realidade não – mas olha: sonhos nascem de nós mesmos e de expectativas baseadas em coisas que já aconteceram, boas ou não, e isso me soa limitado. A realidade pode surpreender sempre – sonhos também, não é verdade? Sim, eu não sei o que digo. É que a realidade é incontrolável – portanto não obedece aos nossos limites. Tenho um limite de saturação para a lentidão de certos acontecimentos – portanto em meus devaneios tudo se passa num piscar de olhos. Mas a realidade não me obedece e me faz esperar. Antes eu me fazia mais apta a ir buscar a realização dos meus devaneios – em impulsos, erros, concretizações e hesitações, satisfações.

“In the days, the golden days,
When everybody knew what they wanted
It ain’t here today”
Half day closing, Portishead

Ontem eu caí em um poço sem fundo de tristezas choradas – hoje esqueço. Esqueço de sofrer e sinto apenas uma tristeza fria e seca. Não há lágrimas nem infelizes nem alegres – porque, sabe?, existem também lágrimas alegres, acho que já te contei mil vezes. Mil vezes eu sonhei com reencontros em diversas situações. Mas hoje visto a frieza de quem está prestes a sofrer por nada. Porque tudo é em vão – e nada é sem valor. Custa a passar mas um dia tudo se desfaz – e fica um gosto amargo que apenas quando se supera a decepção é que pode se tornar doce ou não. Minha raiva pode se desfazer muito rapidamente – mas teu rancor parece indestrutível e tuas memórias me confundem. Não são como as minhas – as minhas são doces...

“All for nothing”
Mysterons, Portishead

Liz Christine

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Asas nos olhos

Eu tenho asas nos olhos – mas é preciso fechar os olhos. Para tudo o mais.

Escuto o que quero ver – sinto tua pele livre de roupas. Eu tenho uma idéia. Mas não me pergunte nada.

É preciso ir – até o infinito, e sem se esquecer que eu sou. Desse jeito incerto, mas eu te deixo. Eu te deixo vir.

Sempre mais – até não mais poder. Eu sei onde. Mas tu deve saber quando e qual a melhor forma. Esqueça tudo que já foi. O que passou serve apenas para fugirmos do presente. Não gosto de desculpas.

Jogue fora tuas acusações – isso não é nem um pouco necessário. O mínimo pensamento, qualquer lembrança, desnecessários. Eu sou assim mesmo. Tenho asas nos olhos. E sede de olhares. Claro que não preciso de olhos que recriminam. Não me sinto nem culpada nem ansiosa em relação a ti.

Eu sei. Eu sei o quanto te quero – sinto o que poderia ser importante para mim sem estar tão certa disso. Um erro, cobranças da tua parte. E eu só quero te ver sem preocupação alguma. Acho que o mais importante para mim é: descobrir sem sair disso destruída. Mas também posso te perturbar. Quase distante. Quase perto.

Liz Christine

Meu amor por ti


E há um silêncio que me deixa inquieta. E há um bloco de gelo atrás de um muro feito de muitos tijolos cor de terra – e eu moro dentro do bloco de gelo que não derrete senão no ritmo de sucessivos orgasmos. Minhas pálpebras não se fecham totalmente e enxergo vagamente através do movimento das pupilas dilatadas – e me reviro dentro de um olhar inquieto. O olhar é inquieto porque quer absorver todas as sombras graciosas e perfumadas que batem as asas ao som de um calor que escorre do chão – e eu escorrego ao caminhar ou ao dançar. Escorrego mas tenho meu apoio – teu corpo. Quando nos sentamos eu me sinto escorregando do teu colo para o meio das tuas pernas. Minha língua quer beber o sal marinho do teu cheiro e sentir o mel da tua pele fresca. Eu me umedeço com o mínimo pensamento – penso através de sentidos. Mastigo a música e o teu cheiro entra pelos meus ouvidos. Vejo o perfume que sai dos teus seios sob a blusa e beijo a música dos teus braços me apertando – com suavidade. Derrete o bloco de gelo com suavidade – mas não derrube o muro de tijolos cor de terra. Porque quando passa o momento eu me escondo novamente – onde moro, onde ergui um esconderijo da hostilidade do mundo que só se desfaz no ritmo de sucessivos orgasmos. Eu compreendo através de sensações profundas que rapidamente se desfazem – e quando o momento se desfaz retorno à minha incompreensão. Eu também visto incompreensão – mas pode tirar minha roupa quando chegarmos lá no meu esconderijo. Ou aqui mesmo se acharmos um banheiro limpo – mas aqui não creio que haja um banheiro limpo. Aqui há banheiros imundos e sombras perfumadas que podem nos ajudar a tirar nossas roupas. Muitas sombras, muitas mãos, muitas línguas, muita compreensão que se desfaz ao irmos embora. Vamos embora juntas apenas nós duas, em silêncio. E há um silêncio que me deixa inquieta. O silêncio pegajoso dos olhares que nos recriminam por sermos como somos – o silêncio dos sorrisos que nos acolhem ao nos ver e nos recriminam quando nos afastamos. Pouco importa, eu acredito. Eu acredito na verdade de um momento que dura algumas horas. E aquece minha pele sensível ao calor de um instante bastante longo – os instantes que antecedem o auge de um ciclo. Cada madrugada é em si um ciclo completo de extremos e compreensões momentâneas através de sentidos que se esvaem ao longo dos dias seguintes. Mas alguma coisa permanece e me é essencial – meu amor por ti.

Liz Christine

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Tanto faz


As pessoas andam secas transbordando indiferença ou impaciência em relação à qualquer tipo de florescimento. Eu e meus fones de ouvido. Eu e minhas gatas – e um gato-pato. Todo o amor que recebo eu sinto em dobro – mas talvez demore. Talvez eu demore a compreender. As pessoas que desconheço andam frias e secas – explodindo por quaisquer motivos. Eu desconheço tanta gente... E é também possível que uma pessoa conhecida se torne desconhecida rapidamente – mas eu estava realmente falando daquelas que nunca vi antes, andando pela rua, não vendo nada que não esteja dentro dos limites de seu próprio mundo. Posso sentir tédio e indiferença e posso encobrir qualquer tipo de sentimento com camadas de frieza – é possível e provável que sim, mas aprendi dessa forma. Posso também esquecer meu aprendizado – desaprender em alguns momentos. Posso ser o próprio espelho ou aquela que é refletida pelo espelho. Às vezes choro tanto que decido assim: agora basta. Às vezes penso tanto em prazeres sexuais que digo a mim mesma: agora me dê pelo menos vinte e quatro horas sem pensar nisso. E muitas vezes escuto tanto a mesma música no fone de ouvido que penso: hora de me apaixonar por outra música. Mas algumas paixões duram tanto ou se apagam por um tempinho e depois se reaquecem e voltam fortes – há também as efêmeras e utilitárias, essas se apagam totalmente em pouco tempo e talvez nunca tenham realmente existido... podem não passar de um jogo mental ou uma ilusão sonora, sabe? E há músicas que nunca me agradaram logo de cara, outras agaradaram um dia e já não agradam mais, e as mais raras: as que sempre agradam e sempre vão agradar e vêm carregadas de imagens sensoriais. Acho que não quero saber de ninguém no momento – um momento talvez curto. Mas, por enquanto, eu diria que ninguém me interessa – o que não me impede de ver a graciosidade de certas formas. É que a imaginação escassa e o modo de falar árido de certas pessoas me faz desejar permanecer no meu canto – mas a promessa de prazeres rápidos me faz querer sair de casa. Tanto faz. Aconteça o acontecer, tanto faz agora. Eu já fui devidamente anestesiada – e vivo dentro de mim mesma.

Liz Christine