quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Canteiros de flores


Não vou falar da chuva que teima em espalhar nicotina em meus canteiros de flores mal dormidas (…).

Tulipas, orquídeas, rosas brancas ou vermelhas, camélias, gardênias – elas jamais dormem (...).

Sempre despertas, sempre alertas, porém sempre desatentas e alheias – observando o mundo através de sensações mais do que puras sem racionalizar as imagens insones que teimam em brotar dos espelhos úmidos (...).

Não vou falar também das lágrimas preciosas e inquietas que teimam em acalmar os banhos que duram quarenta e cinco minutos contadinhos no despertador do celular (...).

Despertando todos os fantasmas que rondam os canteiros de flores sempre alertas e impacientes porém lentas ou sonhadoras – sonhando acordadas com o desabrochar das liberdades individuais de cada miado que corta a madrugada ou atravessa a esquina onde a chuva espalha nicotina (...).

Cuidado – tudo é proibido, inclusive fumar em mesas de cafeterias ou sentir o vento acariciando pernas nuas (...).

Cuidado – tudo é proibido, inclusive fumar no corredor do prédio ou beijar com inocência tua mulher em público (...).

Ah tédio que corta as noites em claro e atravessa minha pele durante o vôo das mariposas que caço não por fome, mas por diversão – caçar por diversão, e não por fome (...).

A fome eu aquieto com a ração diária de sushis de salmão com cream cheese e porções de rolinho primavera ou atum ao molho ponzo (...).

A fome eu aquieto também com jazz e peças de Ibsen ou Molière ou biografias da Greta Garbo e da Audrey Hepburn (...).

A fome eu aplaco com sensações mais do que puras que nascem do contato físico entre a minha nudez e os banhos recheados de pétalas despedaçadas – sempre perfumadas, sempre despertas, sempre alheias, sempre macias, sempre alertas e prontas para me beijar (...).

Liz Christine

domingo, 10 de outubro de 2010

Uma pétala de rosa


Uma garrafa de champagne sobre o chão branco e duas dúzias de rosas sobre a cama. A vida pode ser bem mais simples quando reencontro um terço do meu equilíbrio fugitivo. Um calor intenso escorre do rio que atravessa meu coração em tom de jazz de 1920. Um pássaro azul sorri enquanto tua voz escoa lentamente ao sabor de frases translúcidas. A realidade agora brilha mais que aquele sonho antigo guardado em uma caixinha de música com bailarinas rodopiando que mora embaixo da minha cama. E um beijo trocado sob a luz intensa da lua lá no alto do céu estrelado atravessa a madrugada enquanto a gata branca convida ovelhas a passearem pelos jardins repletos de árvores quase novas e quase eternas. É que o amor é eterno enquanto a lua brilha lá no alto e a doçura desliza sobre a minha pele enquanto tuas mãos procuram uma pétala de rosa escondida sob meu vestido.

Liz Christine

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Dream a little dream of me


Toda a amargura confinada em um isqueiro trabalhando incansável durante a madrugada. Contando as estrelas enquanto o sono ausente passeia pelos prédios e casas depois de me avisar que hoje não poderia vir me visitar. Sonhando acordada com uma tempestade febril de palavras insones. Mas as palavras fogem todas enquanto meus pés tropeçam nos primeiros degraus da escada. Pisando suavemente sobre a grama fresca que recobre meus pensamentos tão insones quanto as estrelas que conto sem me cansar nunca de sonhar acordada. Agir é desnecessário quando o céu desaba sobre meus ombros nus e fartos de uma realidade incompatível com o mundo que carrego em cada silêncio parcialmente compreensível. Tudo poderia ser compreensível se não fossem a lua e os espelhos incompatíveis. Guardo um espelho dentro da bolsa vermelha para me certificar de que a lua canta só para mim toda vez que o sono se ausenta. Também eu me ausento toda vez que a realidade desagrada meus ombros nus e o céu desaba sobre meus cachos soltos – então mergulho em um rio de incompreensões só minhas que ninguém mais poderia decifrar. Ou então mergulho em um rio onde moram fadas só minhas que suavizam quaisquer vagas intransigências. Impossível colocar meus pés na realidade ao invés de mergulhar em sonhos insones cada vez mais sublimes. A realidade já ultrapassou quaisquer sonhos nunca antes imaginados mas isso já faz tempo e ficou lá atrás junto com a minha coleção de caixinhas de música com bailarinas de sapatilhas lilás dançando em meio às árvores do meu quintal onírico. Agora só me resta um pensamento: fugir. Fugir das idéias tolas que ouço ao colocar meus pés na tua rua.

Liz Christine

domingo, 3 de outubro de 2010

Asas de anjo dentro do armário


Nada a não ser as nuvens que pairam soltas ao redor de uma intransigência. Só mesmo um café forte conforta meu silêncio hesitante. Entre uma ou outra escolha recomeço pensamentos circulares que crescem em espirais de dúvidas. E a lua aparece na minha janela daqui a poucas horas só para me contar que ovelhas não voam ainda. Asas de anjo crescendo dentro do armário enquanto a gata branca escuta atentamente um trecho da música que flutua dentro do quarto na penumbra. Abro as cortinas então à espera da lua.

Liz Christine