sexta-feira, 20 de abril de 2007

Mergulho




“(…) pois o que passou e o que está por vir e o que jamais aconteceu paira no ar como a voz do mar continua depois que o fundo de areia se transformou num perfumado capim (…)” (O ponto cego, Lya Luft)

Os espelhos me avisam que estou com cara de flor de laranjeira. E estou com sede, muita sede, mas devo beber pequenos goles. Pequenos goles de uma realidade volúvel e instransigente. Branca, a manhã é branca. E a realidade é alaranjada com pontinhos carmim. A minha realidade é maleável e transparente mas turva. Uma mistura de contradições verdadeiras. E ilusões, e ilusões – que são ilusões? Eu desejo que seja verdade. Eu desejo que seja verdade o que escuto. Escuto a sua voz, e você diz que me ama – é ilusão? Sinto sede, muita sede, mas devo beber pequenos goles. Pequenos goles de uma realidade duvidosa. Amar é imprevisível? Escuto a sua voz, e você diz que me ama. Eu nada respondo. Mergulho.

Liz Christine

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Viver para o prazer


A minha raiva se desfaz em gotículas de atos descompassados. Rasgo uma folha. Apago um sentimento. Todo o amor que acordei sentindo, foi-se. Foi-se em tolas discussões acerca de desejos e impedimentos. Eu amo minhas gatas. Amo a água que eu bebo. Também amo as lágrimas, mas estas nunca saem de seus olhos. De seus olhos, apenas rancor e restrições. Sou um poço sem fundo de ansiedade e querer. Quero sonhos se concretizando e pesadelos se perdendo pelos descaminhos da memória. Quero ter memória seletiva. Lembrar apenas instantâneos de prazer. Flashbacks doces e suaves. Viver para o prazer. Um capuccino da Kopenhagem, uma torta tricolor da Chocólatras, um expresso com licor e rum ou brandy do Armázen do Café, uma festa que termine de manhã ou depois do meio-dia, filmes do Truffaut ou do Buñuel sobre paixões absolutas, palavras de Oscar Wilde, dançar nua, ser fotografada por uma namorada só de lingerie ou beijando-a na boca, chocolate branco, gatas se esfregando em mim. Eu só quero o prazer. Fazer tatuagens, reler roteiros do Bergman, reler peças de Tenessee Williams, leite condensado desnatado Nestlé com Nescafé e creme de leite light Nestlé batido no liquidificador, cigarros de menta ou canela ou cereja ou chocolate, sexo, sexo, sexo, outros corpos femininos, eu só quero o prazer. Nada de lembranças indesejadas. Nada de discussões inúteis. Quero desejos satisfeitos. E imaginação livre.

Liz Christine

terça-feira, 17 de abril de 2007

tão sonhado amor




Sinto medo. Medo do obscuro tão falado desejado tão sonhado amor. Muito já se teorizou. Músicas e mais músicas sobre amor. E filmes peças de teatro tudo poemas livros textos. Dispenso teorias e estudos. Prefiro praticar. Sonhar. Escrever. Não sei o que mais me atrai – o amor-paixão ou o amor tranqüilo. Sonho com as duas opções. A minha fantasia é ter um relacionamento à três. Ou a minha fantasia é encontrar alguém que me absorva completamente e não me deixe espaço nenhum para mais ninguém. Também não sei. Sonho com ambos.




Liz Christine

domingo, 15 de abril de 2007

amor tem prazo de validade?



não tenho vontade de fazer nada
não quero pensar, não quero sentir saudade, não quero sofrer, não quero imaginar, não quero nada

e eu fumo fumo fumo fumo
fumo desespero de dias que terminam em vão, escuro

acendo uma vela, desejando os mesmos desejos de sempre
ficar curada desses amores que chamam obsessivos e fora de validade e de propósito

amor tem prazo de validade?

nasci no tempo errado, pra mim não tem não

Liz Christine

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Lilases


A mulher nua sorriu com as mãos cheias de gelo picado. Ela despejou em mim os alfinetes que ela tirou da gaveta lilás. Não tive reação. Nenhuma palavra. As palavras fugiram todas da minha boca quando ela mordeu meu ombro esquerdo. Eu estava de calcinha e sutiã, cabelos úmidos, lendo, quando as janelas se abriram e eu fechei os olhos. Então uma fantasia cega despertou em mim e eu cantei o sorriso dela e perguntei – “o que você fez do gelo picado?”. “Espalhei no chão”, ela me respondeu. O mesmo chão onde eu estava deitada. Ela sentou do meu lado, fumando, e as paredes caíram com um suspiro.

Dentro da cômoda roxa tem uma taça transparente com sorvete de flocos coberto de calda de chocolate quente. Dentro da cômoda roxa tem um bebê de três meses que já aprendeu a falar. Dentro da cômoda roxa tem dois livros que atormentam minha rotina. Minha rotina é a cômoda roxa. Ela me surpreende com seus esmaltes e me cansa com suas queixas. Ela se queixa. Reclama quando é preciso acordar. E acorda mal-humorada, apontando meus tropeços e inconclusões. Sou um ser sem conclusões. E me tranco dentro da cômoda roxa.

Sinto sede mas as pessoas andam secas. E eu quero me embriagar dos sonhos delas. Os meus, eu quero desenhar. Desenhar meus sonhos nos seus olhos. Sinto fome mas as pessoas andam reticentes. E quero ser a sobremesa delas. A sobremesa gulosa e também reticente. Andamos todos reticentes. Mas eu transbordo incoerência. A incoerência do desejo que recua. Recua ante a aridez das paisagens. A profundidade me atrai. A intensidade me assusta. Eu caminho com o medo. O medo das pessoas que andam secas.

A mulher nua sorriu aproximando uma vela do meu rosto. Beijei as mãos dela. Ela perguntou por que eu andava meio apática. “É o medo”, respondi. “Medo de quê?”, ela quis saber. “Dos seus alfinetes”, eu disse, “tenho medo dos seus alfinetes”. Então ela recolheu do chão todos os alfinetes e os guardou na gaveta lilás. Deitou do meu lado e eu logo me acomodei sobre ela. Sobre a nudez macia dela. Dissemos tudo uma à outra. Tudo que palavras não podem exprimir. A comunicação entre gemidos e pernas e línguas. Dividimos um cigarro e as barreiras desabaram com o dia nascendo.

Sinto sede, ansiedade, fome e cansaço. Pessoas reticentes. Vidas mal dosadas. Falta intensidade. E a profundidade não é bem vista. O cansaço também não é bem visto. E a ansiedade, a ansiedade de caminhar, ir ao encontro de, ir ao encontro de.

Liz Christine

quinta-feira, 12 de abril de 2007

micropontos de prazer


Que você lesse meus pensamentos. Que eu te conhecesse da forma que te reconheço em sonhos. Que eu fosse sua irmã ou sua melhor amiga ou quem sabe eu não sei. Que você conhecesse cada desejo, cada palavra difícil de pronunciar ou explicar. Que você soubesse e descobrisse zonas erógenas, micropontos de prazer. Que eu visse seu corpo como nunca vi antes. Mas só um minuto – tenho más lembranças. Algo me diz para simplesmente te esquecer. Mas não esqueço. Quero e não quero. Apenas você. E todas as mulheres do mundo. Não sei. Amei uma. Ou duas? Ou todas? Uma.

Liz Christine