sábado, 6 de julho de 2013

Segreti


A lontra coartativa tem raiva. Raiva da coruja louca que tem preguiça. Preguiça de debater pontos de vista com a gata insone que tem fome. Ou sede. A fome degustando sonhos com macarons e cappuccinos. A sede insinuando desejos brotando em cerejeiras. As cores insinuadas – lembranças desbotadas. O presente tão irretocável continua desativando as lembranças tão desbotadas – tantas cores em desuso. Amizades tão imaginárias. A lontra coartativa tem raiva. Raiva da coruja louca que tem delírios. E preguiça. Delírios de grandeza e preguiça de debater. Os pontos de vista entristecidos da tripla personalidade da gata insone que tem fome. E sede. Fome recompensada com gorgonzola e pinolis. Sede incansável. As babuskas têm sede – a gata insone ignora. As babuskas têm ciúmes – a gata insone não compreende. Ela nada faz a respeito. Não se defende dos impropérios e delírios – a realidade indefinida. Tripla personalidade. Ela ignora tudo e sorri alegremente ou chora quando já não aguenta mais. Tanta cobrança e acusação. Tripla personalidade eternamente indefinida com poucas certezas e milhares de dúvidas. Certeza de que as babuskas são indispensáveis. Trazem cerejas frescas, perfumes e beijos que se multiplicam em ronronantes amabilidades. E um pouco também de cansaço. Trazem muitas palavras dispensáveis que apenas confundem as tão poucas certezas que restam no cotidiano febril da gata insone. As contradições alternadas refrescam o estado febril das intensidades que são abstraídas durante o jantar.

Sócrates – o gato que imagina que suas amizades são todas imaginárias. Sócrates tem desenvolvido uma extrema desconfiança de todos os seres humanos. Confia apenas em bichos domesticados e em suas duas donas. Desconfia de qualquer ser humano que não seja uma ou outra de suas donas. Muitos humanos se dizem ou se consideram grandes amigos de Sócrates. Mas Sócrates acha que é a imaginação deles. Estão todos loucos. Estes humanos não são nada confiáveis. Não se pode contar com eles. Não podemos confiar – é o que Sócrates diz às suas donas quando elas saem de casa para resolver qualquer coisa. Elas trabalham em casa. Mas a espécie humana sempre tem algum problema para resolver na rua ou alguma compra a ser feita. Seres humanos só sabem comprar mais e mais e sempre – todas as compras são altamente necessárias e indispensáveis. Inclusive a ração, a areia, o patê, a água mineral e o catnip do Sócrates. Comprar, comprar, comprar. Princípios humanos. Seduzir, seduzir, seduzir – esqueça um pouco (pelo menos um pouco) tanto consumismo insano. O que afinal é tão realmente necessário e indispensável? – a resposta desta pergunta não é pronunciada mas logo chega através de imagens flutuantes que se dissolvem em alguns minutos (...).

Vinte e cinco minutos. Três minutos. Uma hora e meia de pura quietude saciada.

Assistir silenciosamente ao balé Romeo e Julieta. Rever de novo e sempre Giselle.

Acordar para comprar maçãs. Sócrates suspira vendo A Bela e A Fera. Mundo insano. Realidades particionadas redirecionadas. Mudar a direção dos olhares. Tripla personalidade em foco. Fotografar instantes. Instantes de abstração. Acordar diariamente. Poderia ser muito melhor se fosse possível (...).


Liz Christine