A lontra
coartativa tem raiva. Raiva da coruja louca que tem preguiça. Preguiça de
debater pontos de vista com a gata insone que tem fome. Ou sede. A fome
degustando sonhos com macarons e cappuccinos. A sede insinuando desejos brotando
em cerejeiras. As cores insinuadas – lembranças desbotadas. O presente tão
irretocável continua desativando as lembranças tão desbotadas – tantas cores em
desuso. Amizades tão imaginárias. A lontra coartativa tem raiva. Raiva da
coruja louca que tem delírios. E preguiça. Delírios de grandeza e preguiça de
debater. Os pontos de vista entristecidos da tripla personalidade da gata
insone que tem fome. E sede. Fome recompensada com gorgonzola e pinolis. Sede
incansável. As babuskas têm sede – a gata insone ignora. As babuskas têm ciúmes
– a gata insone não compreende. Ela nada faz a respeito. Não se defende dos
impropérios e delírios – a realidade indefinida. Tripla personalidade. Ela
ignora tudo e sorri alegremente ou chora quando já não aguenta mais. Tanta
cobrança e acusação. Tripla personalidade eternamente indefinida com poucas
certezas e milhares de dúvidas. Certeza de que as babuskas são indispensáveis.
Trazem cerejas frescas, perfumes e beijos que se multiplicam em ronronantes
amabilidades. E um pouco também de cansaço. Trazem muitas palavras dispensáveis
que apenas confundem as tão poucas certezas que restam no cotidiano febril da
gata insone. As contradições alternadas refrescam o estado febril das
intensidades que são abstraídas durante o jantar.
Sócrates –
o gato que imagina que suas amizades são todas imaginárias. Sócrates tem
desenvolvido uma extrema desconfiança de todos os seres humanos. Confia apenas
em bichos domesticados e em suas duas donas. Desconfia de qualquer ser humano
que não seja uma ou outra de suas donas. Muitos humanos se dizem ou se
consideram grandes amigos de Sócrates. Mas Sócrates acha que é a imaginação
deles. Estão todos loucos. Estes humanos não são nada confiáveis. Não se pode
contar com eles. Não podemos confiar – é o que Sócrates diz às suas donas
quando elas saem de casa para resolver qualquer coisa. Elas trabalham em casa.
Mas a espécie humana sempre tem algum problema para resolver na rua ou alguma
compra a ser feita. Seres humanos só sabem comprar mais e mais e sempre – todas
as compras são altamente necessárias e indispensáveis. Inclusive a ração, a
areia, o patê, a água mineral e o catnip do Sócrates. Comprar, comprar,
comprar. Princípios humanos. Seduzir, seduzir, seduzir – esqueça um pouco (pelo
menos um pouco) tanto consumismo insano. O que afinal é tão realmente
necessário e indispensável? – a resposta desta pergunta não é pronunciada mas
logo chega através de imagens flutuantes que se dissolvem em alguns minutos
(...).
Vinte e
cinco minutos. Três minutos. Uma hora e meia de pura quietude saciada.
Assistir
silenciosamente ao balé Romeo e Julieta.
Rever de novo e sempre Giselle.
Acordar
para comprar maçãs. Sócrates suspira vendo A
Bela e A Fera. Mundo insano. Realidades particionadas redirecionadas. Mudar
a direção dos olhares. Tripla personalidade em foco. Fotografar instantes.
Instantes de abstração. Acordar diariamente. Poderia ser muito melhor se fosse
possível (...).
Liz
Christine
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