segunda-feira, 3 de junho de 2013

Das outras (ou dos outros)


Uma babuska mora na Rue d’Enfer. Ela tem uma gata chamada Leonor de Aquitânia e adotou outra gata (ainda sem nome) há poucos dias atrás. Ela troca e-mails comigo todos os dias mas vamos mudar de assunto. Não quero ser humana. Quero ser felina. De certa forma sou desde sempre. Nem quero ser concreta. Quero ser outra – mais uma outra abstração em teus sonhos. Nunca serei realista. Bem sabemos que todas as formas de idealismo nas relações humanas estão destinadas ao fracasso. A velha fórmula da mentira. A loucura da verdade absoluta. Sinceridade com delicadeza. Bem sabemos que todas as fórmulas vão falhar. Sempre. Não somos iguais – mesmo com muitas coisas em comum. Nunca seremos iguais. Então nenhuma fórmula definitiva poderia servir para todos nós. Minorias descabeladas. A massificação e a generalização. Mas vamos mudar de assunto. Ficou chato. Bem sabemos que significados variantes facilmente se dissolvem ou se acumulam na imaginação retida na alfândega. Uma linda babuska (outra) visitou a cidade Casale Monferrato fazendo anotações para um roteiro. Ela também quer conhecer Veneza. E ela tem uma coruja de estimação além de três gatas e um cachorrinho. A coruja de estimação mora nos fones de ouvido e dita frases que ela jamais repete e nunca entende. A coruja é louca e faz tratamento psiquiátrico. As três gatas são perfeitamente saudáveis e afetuosas (o cachorrinho também é bastante afetuoso e perfeitamente saudável). E ainda tem a criação de mini-pôneis em uma pequena cidade do interior lá no Brasil. Digo lá porque estou aqui. Aqui bem longe do Brasil. Talvez longe até do chão. No fundo do mar ou no alto das pedras que cercam o mar. Em qualquer outro lugar que tua imaginação alcance. Até onde ela alcança? Não, não sei. Não sei como as pessoas não se cansam de tentar. Já desisti. Estou cansada. Não vou mais procurar. Vou fugir. Na verdade é assim e foi assim desde sempre. Nunca quis nada disso. Mas é irresistível. A intensidade. A doçura. A profundidade. As coisas boas da vida. Não gosto de chocolate meio amargo. Gosto de chocolate branco – o mais doce. Cioccolato bianco e grappa.  Duas babuskas distantes uma da outra se cansaram profundamente da grande mentira e falta de tato que são as relações humanas no planeta insano do consumismo extravagante e se tornaram então celibatárias. Uma delas namorou apenas mulheres e nunca jamais em tempo algum quis namorar nada do sexo oposto. A outra até teve dois casinhos leves e passageiros com esse tal sexo oposto só para ter certeza de que comparando os gêneros era muito melhor namorar mulheres. Ela teve poucas namoradas mas foram relacionamentos longos (e conturbados). O lado bom é inegável, mas as relações humanas sempre conturbadas e atormentadas por tantos fatores. Ah, um longo suspiro de cansaço. Por melhor que seja, como são complicadas as convivências e tentativas de compreensão (...). Então um belo dia (na verdade foi no início da noite) elas se esbarraram e aos poucos se descobriram até parecidas. Muitas coisas em comum. Será que a compatibilidade ajuda? Existem também pequenas diferenças complementares. De qualquer forma elas estão juntas agora. De qualquer forma a vida das babuskas eu observo de longe. Mas vamos mudar de assunto. Vamos parar de falar da vida das outras ou dos outros. Vamos falar de nós. Vamos deixar minhas queridas babuskas em paz um pouco. Trocamos e-mails todos os dias. E as rosas que você me enviou estão no meu quarto. Junto com as minhas coleções. Coleções de livros, coleções de brinquedos ou bonecas, coleções de perfumes, coleções de sapatilhas e coleções de silêncios. Não conte para ninguém. Não conte para ninguém os sonhos que só você viu e ninguém mais conhece. Decifrando silêncios e mergulhando em liberdades suavemente transparentes que apenas nós compreendemos.

Liz Christine


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