segunda-feira, 20 de abril de 2009

Quantos amores eu tenho?


Subverte as palavras e me dá um sorvete sem calorias – eu já me senti como se eu fosse a calda de um sorvete, sabe? Mas isso foi com outra. E eu também já morei dentro do congelador. Já me hospedei em vários banheiros diversas vezes. Havia um cinema que era como se fosse minha casa. Havia uma flor de olhos verdes que era como se fosse o meu quarto – eu morei nela também. Quando fui despejada por falta de pagamento eu arranjei uma cama lilás dentro do infinito da falta de sentido de uma separação recente – mas eu ainda me questionava silenciosamente sem dar ouvidos a ninguém: quando é que a flor vai descobrir que ela combina com mel? Eu vestia mel todos os dias até que o mel se tornou parte de mim: há tatuagens coloridas com mel e fui eu quem fiz as tintas com mechas do meu cabelo. As tintas que coloriram algumas tatuagens minhas são feitas de mel extraído de algumas mechas do meu cabelo e também de memórias corroídas pela ausência de meus amores – quantos amores eu tenho?

Liz Christine

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Silêncio que corre


Silêncio. Uma frase feita de silêncios. Um diálogo que corre em silêncio – ao meu redor. Música tocada com silêncios e respirações entrecortadas por pausas de expiração. Inspirar e guardar. Não me solte. O prazo expirou – e não há mais retorno. Eu não me escuto.

Sei que há palavras em algum lugar, escondidas – palavras que se calam. Eu te ouço. Tua voz encobre minha nudez. Tua voz perturba meu silêncio. Tua voz fltua ao meu redor, e eu posso mastigar as palavras. É que eu apenas não posso devolver teus pensamentos. Eu os escondi e me esqueci. Esqueci de te amar porque não posso concordar com nada disso. As palavras me rodeiam e eu não quero a voz de mais ninguém (...). Não quero idéias alheias nem conselhos de nenhuma espécie – eu não quero ter a impressão de ter visto alguma coisa tua passeando em lugares improváveis. Não quero o barulho. Não quero nenhum tipo de gritaria impensada ou discussão inútil – quero a utilidade de um abraço. Ou massagem. Vinda de uma direção específica – daquela ali.

É que eu não quero expressar nada que possa ou deva ser analisado.

Eu quero a liberdade compartilhada fluindo a cada instante – uma liberdade acolhedora.

É que não existe prisão segura. A qualquer momento pode haver uma agressão externa – eu posso até brigar comigo mesma, mas não quero nenhum ser humano ou ser vivo me agredindo. Por nada. Por motivos que desconheço e nunca me esclarecem.

Eu te procuro na escuridão de uma vaga noção abstrata.

Eu quero miar. Se eu miar, só uma pessoa poderia me entender: quem me criou melhor.

(...) As palavras me rodeiam e eu não quero a voz de mais ninguém – apenas a tua, a dela, e às vezes a minha própria.

Liz Christine

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Asas inquietas


Entre uma borboleta vermelha e um mar azul e mais outro mar esverdeado. A chuva é apenas uma ameaça – e não vai mais me confundir. Nem cair. Nem dos meus olhos nem de pensamentos que fluem tranquilos ou ansiosamente. Talvez atordoem um pouco às minhas asas inquietas – e a ti?

Eu sinto ondas me abraçando – e há intensidade com suavidade nelas.

Liz Christine

terça-feira, 7 de abril de 2009

Onde eu me começo

Uma certa relação entre pensamentos que não se completam. Alguma conexão vagando imperceptível entre imagens sobrepostas – olhos semi-fechados entrevendo um pedaço da realidade que se desfaz quando te sinto. Não quero explicação nenhuma.

Apenas uma coisa é real em um mundo de sombras – sombras que não abraçam nem choram nunca, nunca, nunca. É engraçado como grande parte das pessoas parece que não chora. É engraçado como ninguém parece se aproximar de. Mas sim, há uma verdade em tudo: tu me reencontrou por quê?

Eu não quero muito mais além do que eu realmente quero, o que não é tão pouco assim, é apenas mais do que eu pretendo admitir.

Eu não quero nada demais nem de menos. Porque nada parece excessivo ou demais quando eu. Quando eu me afasto de sombras que não abraçam nem choram nunca, nunca, nunca, e sorriem por educação ou obrigação social e sempre esperam de mim e de todos que todos sejam iguais a todos à nível de – comportamento? Necessidades.

Eu não sei se preciso de amor – o amor do jeito que as sombras vêem e definem. Eu não sei se preciso de definições – as definições muitas vezes se transformam. Há um outro tipo de amor e vários tipos de pessoas. Não, não há tipos de pessoas, nunca há tipos de pessoas, há pessoas e ponto – e o amor é visto de alguma forma própria por cada pessoa ou definido inutilmente apenas para complicar ou anestesiar os sentidos.

Eu quero apenas intensificar o que me soa essencial ou ampliar onde eu me começo.

Liz Christine

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Laços que não se desfazem


Pensamentos breves. Ondas longas. Unhas curtas e um toque suave de alguma idéia voando distante – eu a vejo atrás de transparências e afio minhas unhas no tecido da cadeira. E qualquer dúvida em relação a mim – vou me esquecendo lentamente ao acordar do teu lado. Tuas dúvidas – é mesmo real que tu mastiga incertezas? Em relação às minhas asas de borboleta vermelha – é uma realidade a tua sede? Há realidades, sabe?, há realidades-outras que já não importam mais – e continuam por aí se aproximando mesmo que eu tente me concentrar em ti apenas. Na tua voz há nuances de outras e mais sombras que passam longe de mim me estudando mas eu nunca as vejo – sombras assustadoras, dessas que parecem esconder sentidos irreais e sentimentos que me comovem apesar de sufocarem minhas próprias libertações. O orgulho pode ser a minha liberdade – ou minha prisão particular. E o amor pela adorável grama verde e macia pode ser também minha liberdade perfumada – ou uma prisão pública? Não, não, eu não deixo nunca – amor nenhum me aprisiona. Quem me aprisiona são as sombras insensíveis e cruéis, as sombras da frieza externa que algumas vezes – algumas apenas, não todas as vezes – disfarçam fragilidade e afetividade sob máscaras. Mas sabe, não compreendo – para quê?

Nem toda máscara disfarça um conteúdo. Há conteúdos visíveis ou perceptíveis sob trocas de olhares ou trocas de palavras – ou trocas de silêncios preenchidos por gemidos ou respirações apressadas. Eu tenho pressa que se aprofunde logo um ou dois laços – ou três, quem sabe mais? Quem sabe mais a respeito do mar de calda de cerejas vermelhas?

Nem toda máscara esconde um conteúdo – há conteúdos que simplesmente deixam de existir, anulados pela própria incompetência de criar algo realmente saboroso ou inédito. Mas sabe, francamente, tudo é novo e nada é inédito – há verdades pessoais e intransferíveis que se transferem de uma pessoa à outra ou sentidos que são compartilhados durante alguma conexão. É que realmente creio na conexão entre quem faz ou age e quem recebe ou entre quem cria e quem absorve ou entre quem sonha e quem observa ou entre quem sente e mais outra que também sente mas sempre cada um à seu modo intransferível que se transfere e se transforma nos olhos alheios.

E talvez eu goste demais – demais mesmo. Desses laços que nunca se desfazem porque são feitos de. (Não me pergunte.)

Liz Christine

Meio

Eu vou me matar lentamente. Eu morro diariamente mas morro com saúde. Exceto os cigarros, não há nada que eu faça de errado. E eu tenho uma teoria apesar de à princípio ser uma destruidora de teorias: é simples – quando se faz tudo certinho, direitinho, as coisas invariavelmente dão errado; e quando se faz tudo errado ou parcialmente errado e parcialmente duvidoso e bizarro mas com um toque suave de amor picante, aí dá tudo certo. As pessoas certinhas são um pé no saco e não têm alma: porque a alma é por princípio errante e o corpo é por princípio humano. Ou seja o corpo tem limites e necessidades que podem e devem ser superadas mas a carne é fraca em sua própria força. Afinal, o quê é a vida sem o amor e o sexo e a poesia e a arte e os sonhos e fantasias? E isso tudo pra alguns é fragilidade e pra outros é força. Então, resumindo: seguir a si mesmo é o melhor caminho. E fugir de si mesmo pode ser também a solução: a gente dá um tempo de nós mesmos e depois a gente volta a si, mas durante esse meio tempo fora de si nós podemos nos divertir bastante e até descobrir que somos mais do que pensávamos. Descobrir a si mesmo e adivinhar de vez em quando que não somos sempre iguais a nós mesmos e que podemos inclusive nos separar temporariamente de nós mesmos para experimentar novas possibilidades e esquecimentos e devaneios químicos ou físicos ou emocionais – para depois nos reencontrarmos com essência inalterada e eterna mas com personalidade e comportamento sujeitos a transformações e absorções. Absorvemos a outra – a outra parte, aquela que nos atrai, e descobrimos que esta parte já nos pertencia antes mesmo de a conhecermos. Um pouco daquela ali, um pedaço dessa aqui, um trecho de algum livro, a fantasia que alguém joga em cima da gente – sim, sempre há alguém pensando alguma coisa qualquer a nosso respeito, e podemos absorver isso ou não, podemos discordar firmemente ou simplesmente pensar: “é isso mesmo, e daí?”, ou: “nunca pensei nisso nem me vi dessa forma mas vou tentar porque eu sou tudo que eu ou tu quiser, sou tudo e nada e um pouco de cada...” Há pessoas incapazes de nos enxergar como somos, enquanto outras adivinham como nos sentimos por trás do que somos, e há também pessoas manipuladoras ou destruidoras que tentam (e podem até conseguir!) nos modelar de acordo com as necessidades delas. Eu prefiro estar errada, é a minha escolha, mas eu não vou obedecer quando me dizem que algo é certo – antes eu vou perguntar: mas isso é certo para mim?, é assim que eu quero agir? E se a resposta for “não”, olha, sinceramente, eu estou farta de implicâncias e regras e julgamentos e condenações. A vida é simples: se alguma opção não lhe agrada, procure outras. A não ser que tu esteja em uma prisão criada especialmente para ti por pessoas com muita boa vontade e a certeza de que estão certas e agindo da melhor forma possível – ou o pior: dependência financeira. Sim, o dinheiro pode ser uma forma de controle por parte de muitas partes.

“Did you realize no one can see inside your view,
Did you realize forwhy this sight belongs to you.”
Strangers, Portishead

Eu me mato diariamente e desapareço constantemente, tanto que às vezes nem me encontro pois estou em algum outro lugar que não é essa prisão chamada “sociedade” ou quem sabe “família” ou talvez “casa” mas também pode ser “o país onde moro” ou seja lá o que for. Eu não quero, eu me recuso e eu não vou de forma alguma. A minha casa sou eu, meu corpo, minha pele, mãos, boca, unhas, seios, etc, etc, etc – eu moro aqui, não no endereço tal número tal rua tal bairro tal. Eu sou a minha casa e o meu pensamento vagueia livremente, e em pensamento estou sempre onde quero e com quero. Eu sempre tenho companhias agradáveis e fantasias agradáveis com companhias agradáveis e eu desconheço a solidão e a abstinência sexual ou química ou sensorial. Tenho tudo que quero e meus sonhos muitas vezes se concretizam muito antes que amadureçam em meu pensamento, mas as fantasias mais confusas e um pouco destrutivas não se realizam porque inconscientemente eu sei o que deve e o que não deve acontecer comigo. E se algo ruim aconteceu comigo no passado, não tem problema, é algo que eu posso transformar à minha maneira e converter em algo esquecível ou superável ou até risível. Eu posso ser indiferente à qualquer desgraça e achar que desgraça nunca existiu nesse mundo – mesmo que eu me sinta angustiada quando qualquer um diz: “me dá um dinheiro, estou morrendo de fome, por favor, estou pedindo, não estou roubando...” A verdade é que a gente fica indiferente depois de muitas desgraças sucessivas ou alguns já nascem mesmo indiferentes ouvindo discussões inúteis já na barriga das mamães. Eu sofro e quero morrer, apesar de me alimentar bem há uns dois anos ou menos, mas eu estou aqui – não estou? Meio viva, meio morta, meio criança, meio gata, meio cansada, meio curiosa, meio chorona, meio indiferente, e com muita sede...

“Never found our way,
Regardless of what they say.”
Roads, Portishead

Liz Christine