segunda-feira, 11 de julho de 2011

Meninas e patos



Dentro do armário mora uma fada de longos cabelos cacheados que gosta de meninas e de patos. Todas as noites ela se perfuma com Jadore e lê com um ponto de luz dentro do armário – ela lê roteiros, peças de teatro e contos. Entre uma hora da manhã e sete ela deixa o armário onde vive e voa por aí observando meninas e patos durante seus passeios. Ela dorme de oito da manhã até quatro da tarde e trabalha de cinco às nove da noite – às nove ela se perfuma com Jadore e lê dentro do armário. Ela também trabalha dentro do armário, devo dizer, no seu notebook com conexão. A fada de longos cabelos cacheados não ama ninguém há três anos, apenas observa meninas e patos em seus passeios ou vôos. Ela não gosta de mais ninguém desde que se cansou das exigências e hipocrisias e tiques do que os humanos chamam de amor (as fadas chamam de outro jeito mas não convém explicar aqui). Ou talvez desde que se apaixonou de novo pela gata-borboleta que vive nas gavetas de outro armário, mas isso ela jamais admitiria. A gata-borboleta foi seu primeiro amor verdadeiro mas romperam e se reencontraram quatro anos depois às cinco horas da manhã voando na mesma esquina. E desde então a fada dos longos cabelos vive desdenhando o amor – puro despeito, alguns podem dizer. Auto-defesas ou quem sabe bloqueio – cada explicação mais óbvia ou tola que a outra. Nada disso. É estratégia – mas isso ela também jamais admitiria. Em suas andanças ela já viu de tudo – e foi assim que desenvolveu técnicas ou manias antes mesmo de descobrir se o amor era de fato uma bobagem ou uma verdade. Ela descobriu mas não contou para ninguém, como de costume. Continuou suas doces observações de meninas e patos – vez por outra se envolvia com uma ou outra observada mas nada que a tirasse do sério. Com patos ela não costumava se envolver, apenas observar sem ser vista e sem jamais se comprometer. A única coisa que a tirava do sério era a verdade dos sentimentos mais belos que nascem apenas uma vez na vida em cada existência solitária – mesmo vivendo em sociedade, somos todos tão solitários quanto a fada que vive dentro do armário e trabalha de cinco da tarde até nove da noite em seu notebook com conexão.

Liz Christine

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O silêncio da ex-bailarina




As borboletas recém-chegadas desafiam a monotonia do final da tarde de sábado. Mais um dia sem nuvens onde a monotonia resgata o tom necessário. A voz da lua se inclina sobre os cabelos presos, tão longos, da ex-bailarina fumando na portaria do prédio. A nostalgia passeia ao redor das janelas. Óculos escuros e uma garrafa de água-de-coco escondem o cansaço de noites mal-dormidas. As borboletas recém-chegadas desafiam toda essa monotonia das horas passando pressionadas por preocupações semanais. A cada semana chegam mais borboletas desafiando a voz da lua que se retira até o anoitecer. Um retiro sensorial onde as mais suaves inclinações perturbadoras sonham longe das curiosidades de cada dia. E ao anoitecer as cores das asas das borboletas brilham mais que o silêncio que se destaca a cada mudança no tom da música. O silêncio da ex-bailarina atravessando o corredor do prédio e entrando no elevador para chegar em casa.

Liz Christine

As cores do universo



De novo a tristeza latente ameaça as tardes de sábado. As buscas em vão não reencontram a paz das saudades satisfeitas. De novo a insatisfação reina no céu onde as nuvens desabrocham em gotinhas de insensatez repartida em três. Um ménage à trois de sabores parceladamente tão consistentes quanto a tristeza latente das tardes de sábado. Não, não há saídas. De novo a tristeza latente ameaça triângulos que desabrocham em pétalas amordaçadas. Cale todas as insatisfações com as parvas regras sociais que reinam abaixo das nuvens. Subverter a ordem natural dos níveis parcelados de consciência e consistência. Reencontrar a tão sonhada paz das saudades satisfeitas. As buscas em vão reencontram apenas desaprovação vinda das parvas regras sociais que desorganizam as individualidades preferenciais. A insenstatez repartida em três se esconde então embaixo da cama de casal onde cabem individualidades plenas de si mesmas reinando no céu onde as nuvens ditam a relação entre as cores do universo.

Liz Christine

segunda-feira, 4 de julho de 2011



Sílfides e willis dançando dentro do banheiro enquanto a banheira quase transborda por esquecimento. Nuvens de calor em volta dos espelhos enquanto a porta trancada preserva os descuidos da memória. Comment dois-je fuir? Fumando o quarto cigarro de hoje às onze horas da noite dentro da banheira – seis cigarros por dia, ainda restam dois a serem fumados até cinco horas da manhã. O racionamento de palavras parceladas enlouqueceria qualquer boa consciência. As horas sempre despertas se arrastam dentro do banheiro enquanto um cálice de vinho é degustado em absoluto silêncio entre duas pessoas que se desentendem a cada cinco minutos. O silêncio jamais será apreciado quando não há entendimento possível entre as partes. E as palavras nada explicam quando não há possibilidade de compreensão. Não há explicações plausíveis para memórias comprometidas por esquecimentos voluntários – escolher cada esquecimento necessário para o desenvolvimento parcelado. Sílfides e willis dançando dentro do banheiro enquanto todas as abstinências se desenvolvem dentro da banheira. Abstinência de compreensão, abstinência de satisfação plausível, abstinência de conforto emocional. As intransigências e manias felinas afloram a cada cinco minutos dentro da introspecção voluntária das nuvens de calor. Toda a falta de comunicação é tão voluntária quanto a cor que transborda na lua. Saindo da banheira e indo direto para o quarto descansar das improbabilidades diárias. A satisfação de todas as dúvidas é tão improvável quanto o racionamento de palavras parceladas.



Liz Christine