Dentro do armário mora uma fada de longos cabelos cacheados que gosta de meninas e de patos. Todas as noites ela se perfuma com J’adore e lê com um ponto de luz dentro do armário – ela lê roteiros, peças de teatro e contos. Entre uma hora da manhã e sete ela deixa o armário onde vive e voa por aí observando meninas e patos durante seus passeios. Ela dorme de oito da manhã até quatro da tarde e trabalha de cinco às nove da noite – às nove ela se perfuma com J’adore e lê dentro do armário. Ela também trabalha dentro do armário, devo dizer, no seu notebook com conexão. A fada de longos cabelos cacheados não ama ninguém há três anos, apenas observa meninas e patos em seus passeios ou vôos. Ela não gosta de mais ninguém desde que se cansou das exigências e hipocrisias e tiques do que os humanos chamam de amor (as fadas chamam de outro jeito mas não convém explicar aqui). Ou talvez desde que se apaixonou de novo pela gata-borboleta que vive nas gavetas de outro armário, mas isso ela jamais admitiria. A gata-borboleta foi seu primeiro amor verdadeiro mas romperam e se reencontraram quatro anos depois às cinco horas da manhã voando na mesma esquina. E desde então a fada dos longos cabelos vive desdenhando o amor – puro despeito, alguns podem dizer. Auto-defesas ou quem sabe bloqueio – cada explicação mais óbvia ou tola que a outra. Nada disso. É estratégia – mas isso ela também jamais admitiria. Em suas andanças ela já viu de tudo – e foi assim que desenvolveu técnicas ou manias antes mesmo de descobrir se o amor era de fato uma bobagem ou uma verdade. Ela descobriu mas não contou para ninguém, como de costume. Continuou suas doces observações de meninas e patos – vez por outra se envolvia com uma ou outra observada mas nada que a tirasse do sério. Com patos ela não costumava se envolver, apenas observar sem ser vista e sem jamais se comprometer. A única coisa que a tirava do sério era a verdade dos sentimentos mais belos que nascem apenas uma vez na vida em cada existência solitária – mesmo vivendo em sociedade, somos todos tão solitários quanto a fada que vive dentro do armário e trabalha de cinco da tarde até nove da noite em seu notebook com conexão.
Liz Christine
Liz Christine
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