quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Memórias


“This ocean will not be grasped.”
Mysterons, Portishead


Uma tristeza fria e sem lágrimas – porque ontem já me nublei tanto. Minhas pálpebras pesavam muito e desabava uma tempestade de imagens que escorriam pelo meu rosto fechado – a cada lágrima, ontem, eu assistia. Cenas. Eu me cobri e me escondi e me fechei em mim mesma, mastiguei lágrimas e esqueci. Esqueci de chorar hoje.

“Dreams and belief have gone,
Time, life itself goes on.”
Half day closing, Portishead

Esqueci também teu rosto que apareceu tão diferente – haviam duas melodias, uma nítida, outra transformada. Era o teu rosto a melodia que se tornava uma visível diferença. Tua boca não sorria nem me esperava. Teus olhos não brilhavam nem me comunicavam nada sólido. Tudo naquela melodia eram dúvidas e sombras – a melodia que antes e sempre, eu sempre vi teu rosto tão claro e límpido quanto minhas próprias respostas. Eu te amo? Sim. Eu pretendo seguir a tua maneira de pensar? Não. Eu gosto de mudar? Sim. Eu gosto de mudar seguindo a opinião e conselhos alheios? Não. Eu mudo por mim mesma e ao sabor de mim mesma. Ao sabor da minha própria liberdade de ser eu – um eu que se torna e passa a ser ou sempre foi e continua sendo ou se questiona se deveria ser e não encontra uma direção e então se é ao sabor de si mesmo mas vulnerável às influências de tudo e qualquer coisa que me faça sentir. Acontece que não sinto atração pelas regras da grande maioria e me espanta muito que tu as queira seguir.

“Through the times of lasting love,
When parents talked of things tried and tested,
They don’t feel the same.”
Half day closing, Portishead

Mas a outra melodia, a outra que nunca foi nada nítida antes, se mostrou detalhadamente dentro dos limites da minha fantasia. Claro que na realidade pode-se a qualquer momento ultrapassar limites e quebrar convenções. Mas talvez em nossas fantasias, eu não sei, o que se pode e o que não se pode dentro de nós mesmos? Dizem que em nossas fantasias tudo é possível e na realidade não – mas olha: sonhos nascem de nós mesmos e de expectativas baseadas em coisas que já aconteceram, boas ou não, e isso me soa limitado. A realidade pode surpreender sempre – sonhos também, não é verdade? Sim, eu não sei o que digo. É que a realidade é incontrolável – portanto não obedece aos nossos limites. Tenho um limite de saturação para a lentidão de certos acontecimentos – portanto em meus devaneios tudo se passa num piscar de olhos. Mas a realidade não me obedece e me faz esperar. Antes eu me fazia mais apta a ir buscar a realização dos meus devaneios – em impulsos, erros, concretizações e hesitações, satisfações.

“In the days, the golden days,
When everybody knew what they wanted
It ain’t here today”
Half day closing, Portishead

Ontem eu caí em um poço sem fundo de tristezas choradas – hoje esqueço. Esqueço de sofrer e sinto apenas uma tristeza fria e seca. Não há lágrimas nem infelizes nem alegres – porque, sabe?, existem também lágrimas alegres, acho que já te contei mil vezes. Mil vezes eu sonhei com reencontros em diversas situações. Mas hoje visto a frieza de quem está prestes a sofrer por nada. Porque tudo é em vão – e nada é sem valor. Custa a passar mas um dia tudo se desfaz – e fica um gosto amargo que apenas quando se supera a decepção é que pode se tornar doce ou não. Minha raiva pode se desfazer muito rapidamente – mas teu rancor parece indestrutível e tuas memórias me confundem. Não são como as minhas – as minhas são doces...

“All for nothing”
Mysterons, Portishead

Liz Christine

Nenhum comentário: