sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Nuvens de mel (e o ronronar)


A curiosidade assustou um par de sandálias vermelhas deixadas sob uma escrivaninha. O amor destruiu um caderno de desenhos rascunhados ao longo de um par de anos. A gata cochilou sobre uma pilha de livros e o ronronar dela amaciou uma febre desenvolvida por uma palavra sussurrada. Os seios da janela telada sussurraram a palavra e a noite que caía em meus ombros tocou um poema nunca antes publicado. Eu vou te escrever porque da destruição pode nascer um período como nunca antes. Qual a melhor forma de aprofundar um amor? Eu sinto a profundidade, eu não raciocino o alcance. Eu sinto uma flor me acariciando, eu não analiso o significado de um copo. Sim, eu miava e ronronava enquanto alguém me seguia até eu quase alcançar uma estrela perdida em uma confusão de conversas paralelas. É que procuro um chão que possa também voar comigo mas o que tenho visto é lama e musgo. Uma lama de conversas paralelas entre a chave do quintal onde pousam as ovelhas semi-nuas e as plantas regadas com areia da praia desabitada. Quem mora definitivamente em meu coração ou em minha língua? Eu busco algum mar e há apenas um azul e uma verde oscilando dentro de um chuveiro onde a porta não se fecha. Mas eu vou fechar o tempo e te escrever dizendo que não quero mais porque não tem feito nada tão assim assim. Eu não quero mais te ver talvez. Pelo menos por enquanto, até eu me curar da ressaca da fumaça. Em meus olhos há nuvens de mel (...).

“When your heart’s on fire
You don’t realize
Smoke gets in your eyes”
Trecho da música Smoke gets in your eyes,
cantada por Dinah Washington ou
tocada por Benny Goodman com a voz de outra

Em meus olhos há nuvens de mel deixadas pelo rastro da fada de mel que mora dentro de um mar que acorda a gata branca que mora dentro das flores deixadas com um bilhete na porta de uma clínica psiquiátrica especializada em recuperação de sonâmbulos arredios. As palavras convalescentes descansam as idéias em tuas pernas. Eu tenho andado lânguidamente à procura de uma solução e tenho dançado lânguidamente em busca de uma resposta só. Quem me deseja mais que uma fatia de bolo com cobertura e recheio? Um pato de doce de leite com nozes mora dentro de uma frase pronunciada no silêncio de uma página a ser preenchida – mas a fada de mel gera todas as imagens que nascem do meu rio. Eu tenho cheiro de baunilha e gosto de morangos e cerejas com sorvete e nicotina. Sim, eu sou feita também de sorvete e impaciência. Portanto, use tua língua – eu nasci para isso. Eu preciso também absorver o calor das palavras. Mas não as pronuncie em voz alta (...). Nem espalhe incoerências ao meu redor contando às ovelhas semi-nuas que eu me escondo às vezes atrás da lua para aparecer depois dentro de um livro ou de um banheiro com uma pia cor de rosa e uma toalha sobre o chão.

Liz Christine

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