segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Cor de caramelo


Fico racionalizando. Tentando não pensar em você. Tentando não escorregar. Escutando Nina Simone. Sempre música. Mas não tenho controle total sobre meus pensamentos. E escorrego. Escorrego dentro das pupilas dilatadas do gato cor de caramelo. Já leu Ionesco? Tenho a impressão de que você já me falou sobre algum livro dele. É isso o que tenho, impressões. Tenho a impressão de que sua voz se dissolve dentro da minha sede enquanto sonho acordada. É, sonho acordada. E não tento mais racionalizar. Eu me deixo dentro das pupilas do gato cor de caramelo. A realidade me assusta. A realidade das palavras trocadas no cotidiano me assusta. O que elas me escondem? O quanto elas me escondem? O quanto te revelam? O quanto se parecem com um movimento de recuo incerto? Só quero avançar. Avançar de palavras trocadas à ação definitiva. O que é definitivo? O que é definitivo dentro da minha incerteza? Nem sei o que quero dizer. Eu devia pensar antes de te procurar assim. Te procurar dentro de Nina Simone. E dentro de Ionesco. Estou assim, confusa. Não consigo te afastar de nada que me caia nas mãos. Em qualquer livro, eu te penso. Eu me lembro. Eu nos vejo. Sinto mais fome do que o normal. Mais distraída que de hábito. O hábito. Me agarrar aos hábitos para não escorregar? O que acontece se eu me deixar completamente entregue? Completamente entregue ao rumor distante de palavras trocadas em sonho? Eu me pergunto se. Cada encontro foi um devaneio. Eu me pergunto se em cada conversa nossa realmente nos encontramos. Não me entendo mais, tudo é dúvida. Tento esquecer as dúvidas, uma a uma. Pensar apenas meu cotidiano. Mas você. Sempre música. Você. Sempre dúvidas.

Não sei ao certo. Tenho me controlado bastante. Onde eu estaria agora, se me deixasse livres as palavras.

Eu me lembro das suas mãos. Estou sublinhando o xerox de uma peça e me lembro das suas mãos. A memória de quando eu não hesitava em tocar.

Distante. Ainda te vejo. Eu não quero mais. Não quero mais. Não quero mais pensar em alguém que nunca se esclarece. Sempre me coloca em dúvida. Mas e eu? Eu sou tão clara assim? Às vezes nem para mim. Outras sim, não sei mais. Desde que te conheci, não sei mais. Só sei que me destraio nas horas mais indesejadas. O tempo todo. Quase.

Sempre música.

Liz Christine