sexta-feira, 6 de julho de 2007

si mon coeur est desespere


É sempre a mesma rua, uma casa de paredes vermelhas, uma sala sem móveis e um som tocando Bessie Smith. Baby, won’t you please come home, baby, won’t you please come home, I have tried in vain, never more to call you name… Um gato branco de olhos azuis, deitado no som, que abandona seus sonhos para perseguir uma mariposa, em seu vôo noturno, que abandona sua descrença para tentar mais uma vez, mais uma vez. Ela sobe as escadas. É uma casa bem antiga. Ela entra em um dos quartos, o maior, e deita na cama sem colcha. O colchão nu, sem travesseiros, uma pilha de livros no chão. Ela não se mexe, espera. Deveria ela trancar as janelas? Até o dia amanhecer, deveria ela trancar as janelas até o dia amanhecer? Ela não sabe descrever. Não sabe descrever o que escuta dentro de si. É o estalo de um vinil estragado. Estragado pelo tempo e por uso indevido. Uso indevido das palavras. Uso abusivo dos silêncios. Exagero e hábito. Ela tem o hábito de exagerar nas dosagens. É a quantidade que meu corpo precisa, ela diz. É a quantidade de imagens que me assaltam em uma noite insone, ela conta. Ela fecha os olhos e recomeça. É sempre a mesma rua, uma ladeira, uma bicicleta estacionada num poste recém-pintado, a rua está sendo varrida e todo o lixo entra na casa de paredes vermelhas. Ela recolhe as embalagens e os papéis amassados, lê cartas antigas de desconhecidos, separa um poema ilegível e o guarda dentro de um livro. Ela espera que seu fetiche se materialize. Leurs coeurs s’embraser… São duas horas da manhã e a outra chega. Traz consigo uma sacola cheia de livros, um notebook, dois Toddynhos e uma foto da Josephine Baker. Entra com a chave, sobe as escadas e se encontram no quarto, sem pronunciar uma palavra. As duas desembrulham um pacote que estava embaixo da cama.

Sou exibicionista. Adoro tirar fotos nua. Adoro foder com alguém assistindo. Adoro sexo oral. Adoro mulheres de cabelo curto. Adoro o corpo e a pele e a voz das mulheres. Adoro lingeries, meias, pirulitos de morango e trufas. Ontem de madrugada vi cinco filmes do Bergman e de manhã fui até a banca comprar jornal. Adoro andar na rua de manhã cedinho quando não dormi a noite inteira. Anoto todos os meus sonhos. Detesto perfume masculino. Só escuto música eletrônica e jazz e blues. Também gosto de música clássica mas não costumo ouvir, não tenho nenhum Cd de música clássica. Ontem eu roubei um Talento branco e meu coração disparou. Saí do mercado eufórica e feliz. Que mais eu posso dizer? Ah todos os meus ménages foram incompletos, sempre uma das pessoas não desejava uma das outras duas… Uma vez, na casa de um amigo, eu fiquei a fim de uma garota que tinha acabado de conhecer. Era amiga de uma amiga minha. Ela também se interessou por mim. Mas minha amiga era apaixonada por mim e eu não queria ficar com a outra na frente dela. Acabamos ficando as três mas ela não quis foder com a minha amiga e

Ela retira a fita. Liga o notebook. A outra guarda a fita numa caixa e coloca a caixa dentro do armário. Diz: eu trouxe mais uma fita, vamos ouvir agora? Ela responde que agora não, agora ela vai instalar um programa. O gato branco de olhos azuis entra no quarto. Deita na cama sem colcha. Ela acaricia o gato. Estão em silêncio, o som continua vindo da sala, não é mais Bessie Smith, é Billie Holiday. Gonna snob the moon above, seal all my windows up with tin, so the love bug can't get in, I'm gonna park my romance right alone the curb, hang a sign upon my heart: "please don't disturb”, and if I never fall in love again, that's soon enough for me, I'm gonna lock my heart and throw away the key… Cada uma bebe o seu Toddynho. A outra pega no sono e eu toco a campainha. Atravessei a mesma rua de sempre e toquei a campainha da casa de paredes vermelhas. Ninguém respondeu mas sei que estavam ouvindo a minha fita. A minha voz. Toco de novo a campainha. Quero a minha voz gravada de volta. Não atendem. Eu atravesso mais uma vez a mesma rua de sempre, desço a ladeira, já é manhã. Eu compro um jornal e me prometo voltar na noite seguinte, antes de meia noite. Vejo uma mariposa de asas brancas. Mas eu nunca consigo voltar antes da meia noite. Nunca entrei na sala sem móveis. Adivinho as duas todas as noites. E espero a noite seguinte.

Je t’inventerai

Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants-là
(da música Ne me quitte pas)

Liz Christine

Nenhum comentário: