A gata
branca Bastet comprou macarons de morango e de amêndoas na Paradis. O cisne
Audrey assistiu ao balé Giselle. O gato preto Éluard acendeu um cigarro em área
proibida para fumantes. E o imprevisível gato ruivo chamado Sócrates telefonou
para o celular de Bastet. Bastet não atendeu o celular porque estava tomando um
banho apurado e longo enquanto o cisne Audrey preparava um drink de leite
desnatado com catnip do outro lado do corredor. Audrey e Bastet são vizinhas. O
ronronante e imprevisível Sócrates comprou uma rosa vermelha e outra rosa
branca e tocou a campainha de Bastet. Em uma lagoa mais afastada deste bairro
os patos e sapos esperavam a chegada da tranquilidade zen que os livros
encomendados trariam com o cair da noite. Em um lugar ainda mais afastado –
muito mais afastado – havia uma cachoeira muito entediada com o barulho
excessivo dos visitantes arruaceiros que plantavam palavras desordenadas ao seu
redor. E as palavras cresciam e brotavam e murchavam e se entrelaçavam e se
confundiam e exalavam caos – sem pausas para introspecções. A gata siamesa
Cristina – namorada da Bastet – estava sonhando com um poema sobre a cachoeira
que ela havia visitado há três meses atrás enquanto Bastet continuava seu longo
banho e a campainha tocava. Audrey foi espionar o apartamento vizinho e
suspirou chateada com a solidão constante em que vivia confinada – sem visitas,
sem saídas divertidas, sem festas, sem companhia, sem romance, sem nada. Audrey
era muito rica mas não confiava em ninguém e não gostava de ninguém e,
inclusive, achava também que ninguém gostava dela. Audrey só gostava de balés
românticos, clássicos, tecnicamente perfeitos, com grandes bailarinas, as
melhores damas do balé. E gostava também de cappuccino e comida japonesa – mas
isso ela tinha em comum com sua vizinha Bastet e também Éluard e Sócrates (e
nem desconfiava que tinha gostos em comum com a gatalhada das redondezas, ela
se achava única e solitária). Talvez Audrey fosse uma gata que nasceu cisne,
sabe-se lá o motivo – ela até se divertia com catnip. Bastet viu a ligação não
atendida de Sócrates quando terminou o banho e retornou – ele atendeu e disse
que estava na porta da casa dela. Ela pediu dois segundos e abriu a porta –
Cristina continuava em seu sono pesado no quarto principal da casa de Bastet,
sonhando agora que era um cisne negro fumando erva de gato. Éluard andava meio
sem rumo procurando uma cafeteria onde encontrasse espresso com licor no
cardápio mas não encontrou nenhuma em Copacabana – só havia cafés alcoólicos em
uma cafeteria em Ipanema e ele não estava a fim de andar tanto nem queria
gastar com táxi. Éluard não tinha carro e suava para pagar todas as contas mas
era muito educado e culto e escrevia muito bem, além de fazer música eletrônica
também. Éluard morava bem perto de Bastet mas seu prédio era quarto e sala –
muito bem arrumado apesar do pouco espaço. Éluard resolveu ligar para umas
amigas-gatas e elas contaram que era aniversário de Cristina e haveria uma
festa na casa de Bastet. Éluard conhecia Cristina e Bastet meio vagamente,
conhecia de vista e poucas palavras trocadas, mas resolveu chegar lá com as
gatas amigas. Audrey continuava espionando tudo através da porta e resolveu
preparar mais um drink de leite desnatado com catnip e assistir de novo ao
trecho do balé em que Giselle chegava no reino das willis (ela adorava esta
parte da música e da coreografia). Audrey acabou enchendo a cara de catnip –
pobre Audrey, uma gata que nasceu cisne, separada de seus semelhantes por
diferenças de espécie. Não tinha nada a ver com outros cisnes – que fazer?
Cristina acordou quando todas as convidadas chegaram – eram muitas e muitas
gatas, de gato só havia Sócrates e Éluard. Audrey, completamente bêbada de
drink de catnip, tocou a campainha na casa de Bastet. Sócrates abriu a porta,
ela entrou, Bastet a cumprimentou, as convidadas se apresentaram, ninguém se
importou com as diferenças de espécie, e todos ouviram música até o dia
amanhecer.
Liz
Christine
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