sexta-feira, 6 de julho de 2012

Entre quatro paredes ou sob o luar



O céu está frio. Os anjos choram. E as gatas festejam – festejam o vazio infinito que é a vida terrena. Toda a falta de sentido camuflada sob a aparente profundidade do céu gelado. Ou seria aparente a falta de sentido – ou seria aparente a profundidade – ou seria aparente a dúvida – ou seriam aparentes as certezas – ou seria aparente a futilidade infinita – ou seriam aparentes as – as – as – (

As dúvidas novamente, camufladas novamente, expostas parcialmente, as dúvidas quase arrogantes, ou quase raivosas, ou quase suaves, ou quase doces, ou quase explícitas, ou quase escondidas, ou quase submersas, ou – ou – ou)...

Oui, oui, quase, quase. Quase nada. Quase nada faz sentido aparentemente. E aparentemente quase tudo é transitório. Mas na realidade é imprevisível – tanto quanto a – tanto quanto a – a – ),

As palavras submersas – o silêncio camuflado – quase nada é concreto ou palpável – apenas aparências e nada mais –

A comunicação sem palavras – as cenas descartadas – as escolhas rejeitadas – e as gatas festejam – festejam a erva de gato dissolvida na caipirinha de saquê com morango e adoçante. Os trechos jamais sublinhados dos livros – os diálogos esquecidos dos filmes amados – as cenas novamente descartadas – as memórias sem importância – as coisas mais inúteis se repetem no comercial do céu gelado – e os anjos choram.

O céu é aqui. O inferno também. Depende das conjunções ou quadraturas. Tranque seu coração até que – até que – até que –

Até que algo faça sentido – ou até que alguma coisa se destaque no meio de tantas cenas descartadas – no meio de tantas frases sem nexo – no meio de tanta frieza ou tanta – tanta – tanta – subversão de valores ou conceitos – a lua é fria (ou seria indiferente ou seria ausente – ou qualquer outra coisa)...

Qualquer outra coisa que se queira – tudo é impossível fora da imaginação. A não ser que as conjunções ou quadraturas colaborem. Nada faz sentido. Ou não é fácil enxergar. Enxergar ou pressentir – ou adivinhar no tato. O céu é aqui. O inferno também. E o limbo também. Entre quatro paredes ou sob o luar – na rua ou em qualquer lugar. E as gatas festejam – festejam a doçura de um sonho concretizado. Mas quase tudo tem prazo de validade – até os sonhos – ou será que não – não há mais dúvidas – não há mais certezas – não há mais nada além das gatas que festejam a erva do gato misturada ao saquê depois de assistirem ao filme mais confuso do ano. Primeiro o filme, depois o saquê, e depois água com gás, e depois bons sonhos despertos – sempre despertas as gatas observando a vida terrena e os maus hábitos humanos de dentro do esconderijo delas.

Liz Christine

À margem da vida


 O bloqueio sentimental das horas ocultas

Sofrimento permanente das asas corroídas

Liberdade inatingível das ondas lúcidas

Tristeza e ausência no rosto da boneca de porcelana

Liberdade atrofiada sem a movimentação das babuskas

Inútil evolução da espécie

O jardim das borboletas lésbicas permanece oculto

Oculto em fantasias libertárias de delicadeza e suavidade

O mundo autoritário e até hoje sexista

O mundo corrompido com suas asas negras

Enquanto as asas das borboletas sobrevoam verdades ocultas

O bloqueio sentimental das horas ocultas

O mundo corrompido bloqueia fantasias doces

O mundo autoritário corrompe a inocência eterna

A inocência daquela espécie em extinção

A espécie que sonha com doçura

A espécie que cria ou inova ou reconstrói

A espécie que ainda acredita na arte verdadeira

Ou em amores que não se decompõem com as corrosões do tempo

A espécie em extinção que vive isolada

Espécie sem seguidores ou seguidoras

Espécie à margem da vida

Excluída das preferências massificadas

Espécie condenada à loucura ou à poesia

Ou ao sonho eterno que não encontra nenhum pouso seguro

Flutuando entre sonhos e rotinas fúteis

Entre a realidade massificada da qual não se pode fugir

Mas por dentro – sempre à margem da vida

Liz Christine

terça-feira, 3 de julho de 2012

Harmonias



O merecido descanso derrete as porções de sentimentalismo dúbio congelado sem prazo de validade legível. A data pontilhada da desordem generalizada – a validade instável das variáveis indeterminações supostamente prontas para serem consumidas. O gato doce – tão doce – espia o merecido descanso das improbabilidades sentimentais que circulam na mediação das harmonias torrenciais. E o clima agradável anuncia uma repentina troca de humor – onde havia incertezas, há agora desenvolturas sensoriais.

A gata branca com manchinhas pretas dormindo grudada na gata ruiva – a primeira tem seis anos, a outra tem quatro anos. Sonham juntas enquanto se enroscam nos bolinhos de catnip servidos com chá às duas da manhã no apartamento com tela em todas as janelas. Comem fatias de sashimi ou salmão ring ou carpaccio de salmão enquanto namoram na quietude da alta madrugada. Ambas têm insônia e aproveitam os momentos de descanso quando as corujas trabalham arduamente.

Onde havia hesitação, há agora euforia silenciosa. Uma euforia silenciosa se instalando na fonte com água sempre fresca onde as duas gatas trocam informações sobre o cotidiano febril das corujas – e também sobre o clima agradável das músicas intimistas recheadas com miados e maresia. A larica dos bolinhos de catnip servidos com chá é saciada com casca de laranja cristalizada ou com ronronantes passeios pelo corredor que liga os quartos da casa. As duas gatas escovam os dentes e adormecem abraçadas – prontas para mais uma segunda-feira cheia de tarefas que serão recompensadas nos próximos dias de merecido descanso.

Liz Christine