sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Quase inteira


De quantas borboletas é feita a solidão de uma lágrima que brota da minha fala? Sinto a ansiedade da breve espera até que a onda cresça e me cubra de gotas extraídas de pétalas de rosas úmidas abraçadas ao meu corpo. É que rosas abraçam. E borboletas me sugam e me absorvem e se vão – até o infinito e o extremo do amor que se acaba um dia. Mas não se esgota em mim. Não tiro conclusões. Uma descoberta é o início de alguma coisa. Uma conclusão é o final de um longo percurso. Quero o movimento. E o descanso em movimento. Quero sentir cada pedaço do meu corpo em contato com tua pele de pétalas de rosa. Tua boca, tuas palavras, teus seios onde descanso em movimento. Mas sinto o peso da solidão – e a dor de um final que se aproxima quando penso que tudo acaba um dia. Eu não me planejo. Nem sei o que deveria te dizer. Às vezes no teu colo eu penso em coisas tristes – como? Às vezes quando tu quase adormece e se cala e eu fico sozinha com minhas imagens geradas pela onda que vai decrescendo aos poucos – nesses momentos eu choro, ou quase choro, então olho teu rosto e teus olhos fechados e sinto teu cheiro me invadindo... e quase me desligo de mim mesma. Sempre me desligo de mim e de tudo – para sentir tua proximidade. Eu quase te amo. Quase não posso viver sem ti. E quase me confundo se tu é uma rosa ou uma borboleta. E também eu quase me amo em alguns momentos como esses. E me pergunto por que não posso ser e sentir e mergulhar inteira em ti e no meu relacionamento contigo – da mesma forma que me sinto por inteira quando a onda respinga ecos da mais profunda sensação de ser e estar. Ser inteira. Estar aqui – e não com o pensamento distante. Eu tento mas eu quase desisto. Quase desisto de tentar – e quando isso acontece tu insiste e me procura e eu me concentro novamente em quase dizer sem palavras que preciso tanto do teu amor quanto o silêncio é recheado de verdades inteiras e completas. Não digo que te amo. Mas sei que de alguma forma tu me sente – inteira.

Liz Christine

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Infelizmente


Mergulhar no azul e comer o verde. Absorver o verde com a língua e com toda a minha ânsia por profundidades – as profundidades do verde.

Dizer ao pato azul – eu só quero te ver, não quero te ter... quero ouvir apenas – tua voz...

Não dizer nada à fada verde. Cantar poemas para ela. Poemas eróticos sobre o amor entre fadas e borboletas.

Quando eu namorava a fada verde conheci uma fada lilás. E depois da fada verde namorei a fada lilás – com quem eu já tinha ficado antes. Eu – que sou a fada vermelha – saía com a fada lilás no início do namoro mas depois ela começou a voar sozinha ou com amizades dela enquanto eu ficava trancada em casa no escuro do quarto chorando. A fada vermelha estava com problemas mas não havia quem compreendesse – nem médicos ajudavam. Psiquiatras, psicólogos, psicanalistas – nenhum fazia a fada vermelha abrir a boca. Ela permanecia trancada. A fada vermelha ligou o gás de uma casa vazia sem gatos nem cachorros e tomou calmantes e fechou todas as janelas – quando o gás a deixou com muita dor de cabeça e ela estava prestes a dormir, a fada vermelha abriu todas as janelas e desligou o gás. E ligou para qualquer pessoa para não pegar no sono. E depois disso começou a enxegar um pouco melhor a própria situação.

E não havia mais liberdade. Nem amor. Nem ménages à trois. Nem exibicionismos.

Uma noite qualquer ela bebeu uma garrafa de vinho com alguns remédios. E ninguém mais ouviu falar dela... porque não saiu mais de casa. Mas não morreu. (Infelizmente...)

Liz Christine

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Silêncios


_ Às vezes parece que a música está chorando. Mas é um choro sexy... e lento. O sexy costuma ser lento... arrastado. Quanto mais rápido e ágil mais cheira à agressividade. Parece que a música chora... de vez em quando... e é sexy... e lento. E cíclico talvez. Coisas cíclicas acabam envolvendo. Lentamente... elas se expandem, círculos cada vez maiores... você me entende?
_ Não sei...
_ Já teve vontade de morrer depois do orgasmo?
_ Acho que não.
_ Eu também não... mas eu morro diariamente, ou talvez a cada fim de semana... eu morro e acordo me renovando a cada segunda-feira ou a cada dia... mas nunca tenho vontade de morrer nem penso mais nisso... eu pensava, sabe? Antes. Agora não... muitas vezes eu sento no chuveiro debaixo d’água e choro... não sei o motivo pelo qual faço isso. Mas não parece que a música chora também? (Silêncio.) A gente morre diariamente por coisas tão bobas... que parecem tão sérias na hora... mas tenho mania de achar que as coisas sérias são bobas. Uma vida séria, por exemplo, é boba para mim. Casamento e fidelidade também me parecem coisas bobas. O que eu quero mesmo... (Silêncio. Um cigarro é aceso.)
_ O quê você quer mesmo?
_ O quê você quer mesmo?
_ Eu? Coisas bobas... e você?
_ Coisas bobas que me dêem algum prazer... e que durem seis horas ou três anos... ou talvez oito anos... tudo são fases, e algumas fazem falta... não quero sentir saudade, quero carregar comigo o que eu gosto até que eu me canse e mude... para todo lugar, até acabar... mas tudo acaba, não é triste? Até os remédios que disfarçam a saudade acabam e não se pode mais usá-los...
_ Que remédios disfarçam a saudade?
_ Sei lá, remédios ou brinquedos ou drogas, qualquer coisa que se queira... sabe, eu amava meus brinquedos quando criança. Não sei por que algumas músicas... já ouviu “Tell it like it is” da Bettye Swann? Ela canta: “if you want something to play with, go and find yourself a toy...” Mas eu tenho um bichinho de pelúcia com quem eu durmo todas as noites, abraçando, sabe? É melhor ser um brinquedo do que ser um enfeite ou algo assim... alguma coisa trancada num armário transparente que ninguém pode chegar perto ou mexer... acho que estou ficando com tédio... quase angústia... algumas coisas são belas de se olhar mas dão angústia... você não acha?
_ Talvez. (Silêncio.) Falar costuma ser chato. Eu não gosto muito de falar. Nem tu. Por que está falando tanto? (Silêncio.)

Liz Christine

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

All of me


Eu não falo, eu sussurro… sussuro que te quero mais do que desejo a minha cura. Ficar curada de você? Para quê? A simples lembrança de ti me perseguindo me provoca uma irrefreável sensação de. Sonho realizado. Porque sempre quis, sempre te quis. E tentei, tentei fugir com outra... mas voltei e volto a ti sempre que... fecho os olhos e te sinto por perto. Eu te sinto cada vez mais perto de mim.

“You took the part that once was my heart
So why not take all of me

All of me
Why not take all of me
Can’t you see
I’m no good without you”
(Cantada por Billie Holiday)

Liz Christine

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Teu lado


Não é nada, é só uma nudez entediada que passa ao menor sinal de que você poderia ou talvez não pudesse mais – voltar. Voltar a mim em pensamento – só em pensamento. Porque não te quero mais e te acho tão sem sentido... meu pensamento voa em direção a ti mas não te reconheço mais quando te vejo de longe. De longe, bem longe. Lá no sótão mora um sapo azul. Desço as escadas mas não abro a porta do sótão porque, bem, porque tenho tanto... não, não tenho medo, mas apenas desço as escadas no escuro e volto correndo. Volto à minha nudez entediada... tatuagens que não te dizem mais respeito... Lá no sótão tem uma lagoa de Danette onde moram patos bravos que arrancam as próprias asas, é por isso que não entro lá. Me assustam sempre. Eu te ouço antes de dormir. Ouço tua voz gravada no meu travesseiro... e penso tanto que quase perco o sono. Então eu te escrevo, esperando qualquer coisa que não compreendo bem, e recebo silêncios. Muitos silêncios... de tantos lados. Do teu lado.

Liz Christine