quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pedaços


O perfume de baunilha flutua dentro do quarto verde. As paredes são verdes para mim, e as prateleiras também são verdes para mim, só as janelas são vermelhas como a casca de uma maçã que eu uso no chá. Bebo muito chá e café esperando que a onda volte. A onda de calor intenso que faz meu corpo se deslocar entre luzes coloridas indo de encontro aos teus abraços perfumados. Eu chupo gelo e chupo teus dedos e mordo maços vazios de cigarro até que se desfaçam. Tem gosto de papel. Nunca fiz papel de boazinha com você. Nunca quis esse papel. Não combinava comigo. Mas agora que você se foi eu escrevo meu amor em todos os cantos deste quarto. Pensei até em tatuar teu nome mas isso eu nunca vou fazer. Tua mão deita comigo quando durmo nua. Tuas palavras me acompanham quando escuto música. Você falava coisas loucas e desconexas muitas vezes. Eu contava fantasias pensando estar dizendo verdades. E fantasias não são também verdades pessoais? Quando eu queria que você voltasse – mas não disse nada e falei sobre outras coisas – você me disse que eu precisava de alguém que me desse vestidos caros. Eu imaginei então que você era um vestido, o vestido que melhor me vestia era teu corpo nu – e pensei que alguém ia te trazer de volta para mim. Fiquei esperando que alguém trouxesse minha boneca preferida falando coisas desconexas. Você falou que eu ia me casar com um editor e ia publicar um livro e eu imaginei que o editor seria gay e nunca tocaria em mim mas ia adorar me fotografar com minhas mulheres todas e tiraríamos muitos fotos eróticas só com mulheres. Por que você dizia tantas bobagens no telefone de madrugada? E o que você quis dizer quando falou que haviam pessoas dentro de uma urna? Não entendi mas respondi que eram pedaços de pessoas misturadas. E você disse que não, eram pessoas mesmo, e ainda disse assim: “essas coisas existem mesmo...” Minha bonequinha de olhos verdes e frases loucas, quam acabou doida fui eu. Sempre fomos, não? Mas você se adaptou, eu não. Você provavelmente mudou muito, eu não. Eu só perdi alguns pedaços importantes de mim. Você levou embora uma das melhores partes da minha breve vida. Sem nenhuma culpa. Eu também nunca me senti culpada por ter feito quase tudo como eu quis. Mas também nem sempre sabia o que eu queria e criei problemas para mim mesma difíceis de resolver. Eu quis viver intensamente e acabei no inferno da minha memória que nem eu consigo juntar os pedaços...

Liz Christine

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