segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O conteúdo da interseção


Eu encostei suavemente minha boca em tua nuca – sem te beijar. Abracei tuas costas e respirei todo o açúcar de baunilha misturado ao sal marinho que você traz em si – mas tu é feita também de mel e pétalas, de diferentes tons, pétalas de rosas e folhas verdes que eu mastigo ao fechar os olhos. Fecho os olhos para todo o resto – mesmo assim sinto vozes ao meu redor e a presença de conteúdos que não quero ou não devo ou não posso ou não pretendo captar. Tudo traz em si um conteúdo – mas quero absorver apenas o que eu bebo dos teus movimentos. Sabe a intensidade da minha sede?, a profundidade da minha fluidez?, o sabor do fluxo de idéias que circulam ao redor da tua proximidade?, sabe o quanto te quero mais que a minha necessidade de me preservar de decepções possíveis e da minha curiosidade por muitas realidades? Cada conteúdo é uma realidade e conteúdos se transformam ou se fundem ou se subdividem ou se anulam ou geram novas visões. Dentro de mim eu tenho uma imprecisa noção – não me sei ao todo. Não me sei a ti. E o que tu pensa a respeito de nós?

Eu encostei suavemente minha boca em tua nuca – sem te beijar. Esperando que o primeiro movimento viesse de ti porque em mim haviam idéias imprecisas sobre o que poderia significar para ti um movimento meu. Porque tenho permanecido quieta e recolhida no meu canto desde que o céu desabou nos meus ombros frágeis. Meu céu desabou e soterrou estrelas sob escombros dos pedaços de mim quando tu se foi há tempos atrás – e agora cá estamos nos vendo após eu ter resistido aos meus impulsos de te buscar em todas as realidades e mundos e conteúdos possíveis. Eu quis te buscar não em ti mas em quaisquer lugares ou pessoas. O quê eu teria conseguido além de prazer mesclado ao tédio ou à angústia da falta que tu me fazia? Sim, o prazer é possível na ausência de amor, claro que sim. Mas eu estava cansada e descontente. Saturada de quaisquer conteúdos mas não de formas. Eu sonhei tanto que as estrelas soterradas reuiniram forças e construíram elas mesmas um outro céu – esse céu que uniu de novo todos os pedaços de mim perdidos e espalhados mas não totalmente destruídos. Eu posso ser outra além de mim sem deixar de ser aquela que sempre te quis – posso me ultrapassar e algum dia dizer coisas que nunca diria antes. Mas talvez eu nunca fale mesmo. Tudo depende. Tudo depende da movimentação das borboletas.

Liz Christine

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Gonna leave you


Sinto calor na minha voz que sai do fundo da minha pele ao sentir tua proximidade física e macia e escorregadia – tua proximidade escorrega das minhas mãos que não conseguem te sugar para mais e mais perto de mim. Inteira. Eu inteira concentrada em tentar te trazer para dentro das minhas pétalas regadas a mel misturado às estrelas que adivinho sob tuas roupas, escondidas por tuas roupas, tuas formas, teu corpo – esse corpo que adivinho, conheço e quero, e quero te dizer. Tire-as. Tire-as logo. Minha saia, blusa, e tudo o mais – tudo o mais que me esconda. Eu me escondo atrás de uma calma que não sinto e minha voz traz calor e sede, sede de não mais querer esperar – às vezes me parece que estamos nos estudando ou algo assim. Então vamos criar, vamos criar um mundo que seja possível apenas para nós duas onde eu vou me espreguiçar a cada vez que acordar de um sonho sensorial e compartilhado cheio de nuvens sorridentes e borboletas cantando blues. Tenho um quartinho construído sobre nuvens sorridentes que só choram coisas belas – sorriem enquanto choram. Há também nuvens negras dentro de mim e às vezes meu coração e meus nervos ficam carregados e chovem desgosto – mas sobre as nuvens negras de angústia ou desgosto eu construí escadas de onde posso cair até não poder mais ou subir, subir até me expandir e flanar em mares vastos e ilimitados de ondas passageiras que podem durar eternamento dentro das estrelas que eu respiro. Eu respiro teus olhos, tua pele, teus dedinhos sem esmalte, teus seios que cada vez mais eu quero. Eu quero deitar no teu ombro bem próxima aos teus seios e sentir tua respiração mais perto de mim. E acordar ao teu lado em um colchão de pétalas de rosas vermelhas e brancas dentro do quartinho que tenho sobre as nuvens sorridentes. As minhas nuvens sorridentes. Que choram sorrindo quando assistem belos filmes – e a cada vez que sonho acordada eu sinto, eu sinto e minhas mãos escorregam pela minha pele, e meus filmes inventados para meu próprio consumo terminam assim com meus dedos construindo o final. O final sou eu mesma. Eu e meus dedos. Mas pode-se recomeçar sempre, o final de um filme se mistura ao início de outro filme – e o início de um novo filme é mesclado à possibilidade que eu vejo de fazer da realidade um lugar mais propício aos meus devaneios e anseios emocionais e sensoriais. Mas eu tento, tento não fantasiar demais para deixar livre também a possibilidade da realidade me superar. Não quero expectativas. Quero a liberdade e a surpresa. Não quero esperar mais. Quero te deixar, e vou fazer isso se.

Quando eu sentir que o que eu penso estar dividindo contigo é impossível de ser compartilhado ou compreendido – então eu me vou. As nuvens negras vão falar mais alto que as nuvens sorridentes e eu vou fechar o quartinho sobre as nuvens sorridentes – e vou subir ou descer correndo aquelas escadas até não poder mais. Até não saber mais. Até não saber mais que poderia ser possível que o amor fosse acessível aos que se amam.

Liz Christine

Je me languis de toi


Pouco me importa.
Pouco me importa se o pessimismo cor-de-violeta-quando-o-mundo-dorme se atraca com a euforia deslumbrada e lenta do eu-te-amo-agora-e-ontem-e-sempre-até-não-mais-poder.

Antes eu tinha a certeza incerta e cega e questionável porém cristalina e límpida como as lágrimas diante da clareza das formas agradáveis aos meus olhos de que tu me amava como ninguém mais poderia um dia. Ninguém mais poderia um dia vir a tomar o teu lugar reservado muito antes apenas à nossa compreensão mútua e difusa mas convergente, e as lágrimas caíam alegres saltitando no meu mar que era feito de ti. Da cor dos teus olhos e com o cheiro da tua pele. Havia um outro mar, o mar de antes, um mar feito de voz, mas em mim dois mares circulavam e eu não quis escolher – deixei quieto e convivi assim contigo e comigo mesma até que lágrimas diferentes – de desolamento diante da descrença sempre duvidosa esperando uma mudança brusca e positiva – começaram a me estontear com o desespero de muitas e muitas dúvidas e outra certeza que não aquela de que tu amava como ninguém mais poderia um dia – era uma nova certeza na qual não quis acreditar mas respirava em mim: tu estava enjoada. Enjoada da nossa realidade mútua. Enjoada de mim ou da minha indecisão e fugas constantes que se manifestavam em finais-de-semana de ilusões reais e eufóricas? Eu podia concretizar a ilusão de que era possível a liberdade e a variedade caminhando juntas com o amor – segundo a maioria das pessoas eu não devia mas eu fazia como desejavam minhas fantasias, e nem todas as minhas fantasias me trazem boas lembranças. Não me culpo por teu afastamento e não me considero arrependida – perdi mais alguns anos do teu lado mas eu precisava descobrir por mim mesma. Descobrir que cada pessoa é insubstituível mas nem todas são adoráveis e nem todas são necessárias. Eu sempre soube que nem todos os relacionamentos eram válidos e tinha minha própria noção do que valia a pena para mim ou não – mas não imaginava me privar de prazeres passageiros e condenação alguma de parte alguma me incomodaria. Até o dia em que tu se foi. E agora? Tu voltaria para mim? Eu não saberia mais como me comportar – seguir meus ideais ou te seguir. É preciso escolher sempre? Talvez a tua volta tenha se tornado meu ideal – mas será que conservo as mesmas idéias? Não tenho respostas para tudo. E o mundo nunca dorme por igual. Algumas partes descansam, outras acordam e trabalham, e cada indivíduo vive o seu isolamento quando fica insone em um período de pensamentos solitários. O medo pode ser negro ou cor-de-violeta ou cinza-chumbo. Ou simplesmente o medo pode ser também da cor da nudez, um outro tipo de medo, um medo que permite entrever a real extensão da possibilidade. Há o medo de catástrofes, o medo do sofrimento, o medo que pesa, o medo que vai até o pânico. Há também o medo de si mesmo ou de fazer papel de bobo. Mas pouco me importa. Eu te amo agora e antes e sempre até não mais poder.

Liz Christine

sábado, 3 de janeiro de 2009

Interferências


Lenta demais – o abraço do vento frio em minha garganta fragilizada que evita as palavras porque estas poderiam e eu não quero nem quis nem pretendo. A troca – em minha mente sugestionável imagens de imersões em águas quentes e perfumadas se alternam ao desolamento de uma dor de cabeça por querer demais. Mas não quero nem quis nem pretendo expor minhas divagações – eu quero a umidade nos espelhos de um banheiro trancado durante um banho muito quente. Quero morangos. Morangos e silêncios translúcidos. É possível ouvir gente falando ou gritando da rua quando estamos no meu quarto – e às vezes o telefone do quarto toca enquanto estou dormindo e acaba por me acordar. Eu acharia melhor se as pessoas cantassem ou sussurrassem ou falassem baixinho ou nem falassem – poderiam dizer coisas com os olhos, as mãos, a postura, os braços cruzados ou ao redor de alguém ou soltos ao longo do próprio corpo. Emails também são uma forma de falar. Mas há uma voz muito doce de se ouvir que acordava certos sentidos submersos – e essa voz pouco falava. Gosto muito de escrever emails mas muitas vezes preciso me recolher – há períodos em que escrevo muito, outros em que fujo do computador. E há coisas que eu não gostaria de responder. Ou simplesmente não tenho ainda uma noção precisa do que eu penso – porque sob cada pensamento se esconde uma camada de imagens não muito nítidas e há muitas e muitas camadas, algumas um pouco etéreas ou vaporizadas e outras sólidas mas sujeitas às erosões da natureza, a minha natureza, tua natureza, naturezas alheias ou natureza de cada circunstância.

Lenta demais é minha aproximação de uma melhora. Ou talvez eu seja apressada demais e não saiba esperar o tempo necessário – é que sempre considero desnecessário esperar. Nenhuma das vozes ao meu redor diz nada que realmente importe e eu estou com frio. Troco emails sobre filmes. Ouço ruídos da rua interferindo no que eu ia te dizer, escolho uma música e fecho as janelas.

Liz Christine